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A ilusão convertida em crise

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Por Redação
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A ilusão do crescimento puxado apenas pelo consumo resultou no desastre hoje visível para todos – comércio em queda, milhões de inadimplentes, multidões de desempregados e indústria arrasada. Em março, as vendas do comércio varejista foram 0,9% menores que em fevereiro e 5,7% inferiores às de um ano antes, sem contar as de veículos, componentes e materiais de construção. Quando esses produtos entram no cálculo e se considera o varejo “ampliado”, a queda em relação a março de 2015 chega a 7,9%. O primeiro trimestre foi o pior desde 2001, início da série, com volume geral de negócios 9,4% inferior ao de janeiro a março do ano passado. Estes números foram divulgados na manhã de quarta-feira, quando os senadores se preparavam para votar a continuação do processo de cassação da presidente da República. Foi uma coincidência significativa: os erros do modelo foram agravados pela gestão irresponsável da política econômica e das finanças públicas.

Os erros e desmandos da política populista são hoje evidenciados pelo desemprego de 11,09 milhões de pessoas, ou 10,9% da força de trabalho. Enquanto a presidente Dilma Rousseff alardeava as virtudes da política petista e oferecia lições aos governantes do mundo rico, a desocupação crescia no Brasil e diminuía na maior parte da Europa e nos Estados Unidos. Hoje o porcentual de desempregados no País supera o estimado para a zona do euro e é mais que o calculado para a economia americana.

Há uma clara conexão entre o fechamento de vagas, com forte redução da renda familiar, e o aumento da inadimplência. Quatro entre dez pessoas com 18 anos ou mais estão com o nome sujo, por atraso de pagamentos. São 59,2 milhões de devedores inadimplentes em todo o País, segundo os últimos números da SPC Brasil e da Confederação Nacional dos Dirigentes Lojistas (CNDL).

Só em abril 500 mil consumidores foram acrescentados à lista dos negativados. Não se trata, obviamente, de um país de malandros e caloteiros, mas de um enorme número de pessoas vitimadas por uma política econômica mal concebida, mal administrada e com seus efeitos potenciados pela irresponsabilidade fiscal, tema do processo de impeachment de Dilma Rousseff.

A perda de renda resultou em boa parte do desemprego, mas também da inflação persistente e muito superior à observada na maior parte das economias emergentes e avançadas. Os especialistas projetam para este ano uma alta de preços em torno de 7%, bem menor que a do ano passado, quando chegou a 10,67%. Mas uma taxa próxima de 7% ainda fica longe da meta – já muito alta – de 4,5% e é muito superior aos padrões internacionais. Tornando o País menos competitivo no mercado global, essa inflação também dificulta a geração e até a manutenção de empregos na indústria.

No mundo rico, uma inflação próxima de 2% pode ser um sinal animador, um indício de elevação da demanda. No Brasil o cenário é o oposto: a alta de preços muito acima de qualquer padrão civilizado é um fator de empobrecimento dos consumidores, de insegurança, de redução do consumo e de entrave à indústria. Como o desarranjo das contas públicas se agravou nos últimos meses, um importante foco de pressões inflacionárias continuará a atrapalhar a economia brasileira nos próximos meses. Para combatê-lo e mudar as expectativas, o governo terá de promover um severo ajuste das finanças federais, dando ênfase à reavaliação e à diminuição de despesas.

Em março, a produção industrial ficou 11,4% abaixo da contabilizada um ano antes. Produção e consumo têm caído conjuntamente. Durante algum tempo oscilaram em direções opostas, enquanto o governo conseguiu sustentar a fantasia do crescimento puxado pelo estímulo irresponsável ao endividamento e às compras. Mas a mágica fracassou, como previram há muito tempo as pessoas informadas, e hoje dezenas de milhões pagam a conta da grande ilusão.