Imagem ex-librisOpinião do Estadão

A inflação argentina

Exclusivo para assinantes
Por Redação
2 min de leitura

A encomenda do governo da Argentina à Casa da Moeda do Brasil para a impressão de cédulas de 100 pesos, em quantidade não revelada, não é apenas um negócio, facilitado no caso por um acordo bilateral. É resultado direto da inflação crescente no país vizinho. A explicação oficial do Banco Central da República Argentina (BCRA) é de que a Casa da Moeda da Argentina simplesmente não está dando conta da demanda por cédulas desse valor, o maior em circulação, e, "por precaução", é preciso reforçar o estoque de papel-moeda para atender ao fluxo comercial de fim de ano. Na verdade, não se trata apenas de trocar notas velhas ou desgastadas por novas ou de atender ao aumento do fluxo monetário como consequência do crescimento econômico. O motivo principal é um insidioso surto inflacionário, que o governo argentino vem procurando esconder desde o início de 2007.Enquanto o Instituto Nacional de Estatísticas e Censos (Indec) informa que a inflação, medida pelo índice de preços ao consumidor, foi de 8,3% no período janeiro-setembro, projetando uma taxa de 11% para este ano, consultores independentes afirmam que a inflação chegou a 19,6% até setembro, devendo ficar entre 25% e 30% no fim de 2010. E, como relata o correspondente do Estado, Ariel Palacios, pesquisa da Universidade Di Tella revelou que a expectativa da população argentina é de uma inflação de 30% nos próximos 12 meses. Manipular estatísticas é perigoso, como mostra a experiência brasileira durante um período de inflação desenfreada. Alguns preços são administrados pelo governo, especialmente os de serviços públicos, e podem se manter em linha com o índice oficial, mas as estimativas de custeio da máquina e do montante de investimentos acabam sendo distorcidas, o que se reflete nos orçamentos públicos. As empresas privadas podem elevar seus preços, mas aumentam então as pressões para reajustes elevados de salários, aposentadorias, pensões e outros itens que afetam a vida cotidiana dos cidadãos. O fato é que, embora aliada ao governo, a poderosa Confederação Geral dos Trabalhadores não baliza seus pedidos de reajuste de salários pelo índice oficial de preços ao consumidor. O próprio Indec, por sinal, publica um índice de salários que mostra 2,17% de variação salarial em setembro, mês em que a inflação oficial ficou em 0,7% em relação ao mês anterior.O governo, porém, não parece preocupado. O ministro da Economia, Amado Boudou, chegou a declarar que a inflação só afeta "a classe média alta, não os pobres", embora um dos índices de preços de maior alta seja o dos alimentos.Uma alternativa para facilitar o fluxo comercial seria o governo autorizar a emissão de cédulas de 200 ou mesmo de 500 pesos, como já foi sugerido, mas a presidente Cristina Kirchner opõe-se a isso. A oposição poderia tomar essa medida como uma confissão pública de fracasso no controle de preços. Assim, milhares de transações continuarão sendo feitas com grossos maços ou pacotes de cédulas em um país em que a incorporação de grandes parcelas da população aos serviços bancários ainda é baixa, considerando o seu nível de desenvolvimento. O uso de cartões de crédito também está longe de ser popular, com um número limitado de bandeiras.Deve-se notar ainda que o excesso de papel-moeda em circulação favorece a falsificação, como podem atestar os turistas brasileiros que têm visitado ultimamente a Argentina. É comum encontrar cédulas falsas de 10, 50 e até 100 pesos.É verdade que não se trata de uma hiperinflação, como a Argentina e o Brasil já experimentaram, mas, quando a taxa de inflação se aproxima de 30% ao ano, existe o risco de que a situação escape ao controle das autoridades e de perda de credibilidade da moeda, passando os preços a ser expressos em dólares, como já ocorre em alguns casos.O pior de uma inflação elevada e em crescimento é transmitir a impressão de instabilidade, que pode ser muito danosa à Argentina no período político delicado que atualmente atravessa.