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A inflação e a aposta do BC

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Por Redação
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A parte ruim das previsões do Banco Central (BC) sobre a inflação continua sendo confirmada pelos fatos e isso deve continuar, tudo indica, ainda por vários meses. A parte boa – sobre a convergência para a meta de 4,5% até o fim de 2016 – ainda é uma aposta sujeita a riscos muito altos, associados tanto a fatores econômicos quanto a uma crise política sem saída visível. Com o aumento de 0,62% em julho, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) acumulou alta de 6,83% no ano e de 9,56% em 12 meses, segundo os últimos dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A inflação de sete meses superou todas as taxas anuais dos últimos dez anos (a de 2004 chegou a 7,6%). A calculada para 12 meses bateu todos os valores contabilizados para os períodos de janeiro a dezembro a partir de 2003. Nesse ano o IPCA subiu 9,3% (12,53% em 2002).

A inflação dos últimos dois meses saiu do padrão mais frequente. Em 2013 e 2014, a alta de preços foi quase nula em junho e julho, mas neste ano os aumentos chegaram, nesses meses, a 0,79% e 0,62%. A explicação mais simples envolve a pressão do dólar mais caro nos preços dos alimentos, a correção das tarifas de energia elétrica e os efeitos da seca em algumas áreas agrícolas. Mas nenhuma resposta diminui a importância dos fundamentos econômicos e da crise política.

Outros países também têm sido afetados pela seca e pelas oscilações no mercado internacional de câmbio, mas a inflação continua menor que a do Brasil na maior parte da América Latina. O quadro brasileiro é, claramente, muito particular. O real tem-se depreciado mais que outras moedas de países emergentes e em desenvolvimento, o desajuste das contas públicas é um dos maiores do mundo, o País está a um passo de ser rebaixado ao grau especulativo e a turbulência política amplia a insegurança.

A fraqueza do governo tornará muito difícil qualquer avanço na arrumação das contas governamentais. O déficit geral do setor público passou de 8% do Produto Interno Bruto (PIB) nos 12 meses terminados em junho. Isso é mais que o triplo do déficit médio dos países da zona do euro, atualmente próximo de 2,5%.

Os dirigentes do BC anunciaram a intenção de interromper os aumentos da taxa básica de juros, elevada para 14,25% há pouco mais de uma semana. Mantida essa taxa por “tempo suficiente”, a inflação tenderá a diminuir no próximo ano e poderá, segundo eles, chegar à meta de 4,5% no fim de 2016.

Mas a pressão do dólar poderá acentuar-se nos próximos meses, até porque a esperada alta dos juros americanos poderá ocorrer, segundo as últimas previsões, em setembro. O BC voltou estes dias a intervir no mercado de câmbio e provavelmente insistirá nessa política se o risco de inflação alimentada pelo dólar se acentuar. A instabilidade cambial, no entanto, é apenas em parte associada à expectativa de mudança na política monetária dos Estados Unidos e à consequente valorização de títulos denominados em dólar. A insegurança quanto às perspectivas do Brasil já é suficiente para assustar os investidores.

Enfim, o problema da inflação envolve muito mais que a pressão cambial. Embora a economia brasileira esteja em recessão desde o ano passado, a alta de preços ainda se acelerou nos últimos meses. Mesmo com a atividade retraída e o desemprego em alta, ainda há riscos do lado da demanda. Os dirigentes do BC referem-se a isso indiretamente, ao justificar a alta de juros como forma de conter os “efeitos de segunda ordem” do realinhamento dos preços administrados e também do câmbio. 

Mas há também pressões do lado da oferta, como comprova, entre outros dados, o encarecimento dos produtos industriais. Os preços dos produtos de origem industrial aumentaram, no atacado, 0,45% em julho, 4,39% no ano e 5,44% em 12 meses, segundo a Fundação Getúlio Vargas. Há, segundo alguns analistas, problemas de rigidez do lado da oferta. Se essa avaliação estiver correta, a luta contra a inflação será bem mais dura e prolongada do que anuncia o pessoal do BC.