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A inflação e a volta à realidade

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Por O Estado de S. Paulo
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A inflação continua bastante forte – como confirmou o aumento de preços de 0,71% em abril – para justificar um maior arrocho do crédito, já indicado pelo Banco Central (BC) depois da elevação dos juros para 13,25% ao ano. Sindicalistas e empresários poderão protestar contra o aperto, mas ninguém deverá estranhar se os juros básicos voltarem a subir nos próximos meses. Não há motivo para otimismo, mesmo com o aparente arrefecimento das pressões inflacionárias. Em março, a principal medida oficial da inflação, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), havia subido 1,32%. Mas a taxa recém-divulgada foi a maior para o mês desde abril de 2011, quando chegou a 0,77%. Se ainda houver algum otimismo, uns poucos números deveriam bastar para eliminá-lo. A inflação acumulada em quatro meses, de 4,56%, já superou a meta oficial para todo o ano, de 4,5%. A taxa acumulada em 12 meses, de 8,17%, continua muito acima dos níveis observados na maior parte dos países desenvolvidos e emergentes. Além disso, o resultado anual poderá piorar, se os preços continuarem subindo no ritmo verificado em abril. Os menos atentos poderão surpreender-se, mas convém confiar na calculadora. Acumulada em 12 meses, a taxa mensal de 0,71% resultará numa inflação de 8,86%. Mais um detalhe um tanto desagradável: a partir dos 4,56% contabilizados entre janeiro e abril, a repetição da alta de 0,71% até dezembro levará a inflação de 2015 a 10,65%. Será o pior número desde o fim de 2002, quando a taxa anual foi fechada em 12,53%. Que a taxa mensal de 0,71% seja ainda muito alta é indiscutível, portanto, embora possa parecer uma boa notícia quando comparada com a de março. Mas a redução do ritmo é explicável em boa parte pela menor variação das tarifas de eletricidade e de outros preços administrados. O ritmo de alta desse grupo passou de 3,36% em março para 0,78% no mês passado. Mas os preços livres subiram 0,69%, praticamente como no mês anterior, quando aumentaram 0,70%. Além disso, o encarecimento dos serviços passou de 0,58% para 0,72%, de acordo com a análise da Corretora Votorantim. Esses números permitem algumas conclusões muito fáceis. Mesmo com uma alta bem menor dos preços administrados, considerados por alguns analistas os grandes vilões de 2015, ainda sobrou uma taxa mensal bastante alta para resultar em 12 meses numa inflação de quase 9%. Os problemas vão muito além da recomposição – especialmente dolorosa – das tarifas contidas politicamente. Isso é confirmado pela difusão dos aumentos: a parcela de preços em alta passou de 74% em março para 72,1% em abril. Subiram quase três quartos dos preços e esse dado de nenhum modo é desprezível. Além disso, a variação dos preços livres e, especialmente, dos serviços indica um ambiente muito propício ao contágio inflacionário, isto é, ao espalhamento dos repasses. Mesmo com juros altos, desemprego crescente e algum arrefecimento do consumo, a demanda ainda pressiona os preços. Nesse quadro, a perspectiva de novas correções dos preços administrados e de novas altas do dólar continua preocupante. Por isso, os dirigentes do BC terão de se esforçar para conter os efeitos secundários desses aumentos, como está escrito na Ata da última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), responsável pela determinação dos juros básicos e pela regulação do crédito. Sem os “efeitos secundários”, isto é, sem o contágio, a recomposição dos preços administrados, como os da eletricidade, seria apenas uma alteração de preços relativos, normal em qualquer economia estável. A correção dos preços contidos politicamente é apenas um dos consertos indispensáveis. Os estragos, muito mais amplos, incluem a desordem das contas públicas – um dos principais fatores inflacionários – e a estagnação da indústria, enfraquecida e incapacitada de responder à demanda. Também esta incapacidade é parte do quadro de inflação. Depois de anos de políticas erradas, de truques e de disfarces, o reencontro com a realidade é penoso. Adiá-lo seria pior.