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A injustiça da meia-entrada

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Por Redação
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Está em curso no Supremo Tribunal Federal (STF) uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin 5.108) que questiona as restrições impostas pela Lei da Meia-Entrada (Lei 12.933/13) para a emissão da carteira de estudante. Certamente, esse é um tema que merece análise pelo STF. No entanto, o próprio direito à meia-entrada também deveria passar pelo crivo da constitucionalidade. Por mais arraigado que esteja o costume, não faz sentido que alguns subsidiem a entrada de outros em eventos culturais, de lazer ou esportivos.

De acordo com a Lei 12.933/13, apenas as carteiras de estudante emitidas pelas agremiações filiadas às entidades nacionais – União Nacional dos Estudantes (UNE), União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes) e Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG) – conferem direito à meia-entrada. No final de dezembro, o relator da ação, ministro Dias Toffoli, concedeu liminar suspendendo a obrigatoriedade dessa vinculação às entidades nacionais. “A exigência de aperfeiçoamento do sistema nacional de emissão de carteiras de identidade estudantil (...) não pode ocorrer em prejuízo de outros direitos fundamentais, notadamente do direto à liberdade de associação”, afirmou o ministro.

A decisão, que deverá ser submetida ao Plenário do STF, também assegurou o direito de as instituições de ensino emitirem a carteira estudantil. Segundo o relator, as restrições impostas pela Lei da Meia-Entrada são uma afronta à autonomia dessas instituições e, portanto, inconstitucionais. “Se há problemas na expedição das carteiras estudantis e na fiscalização desse processo, são os meios de fiscalização que devem ser aprimorados, ao invés de ser suprimida uma atividade ou limitado o âmbito de atuação das instituições”, concluiu Dias Toffoli.

Correta é a decisão liminar do ministro, já que corrige um verdadeiro despautério. Atribuir a determinadas entidades uma situação de monopólio, na qual apenas elas podem emitir o documento que atesta a condição estudantil, fere o bom direito. Não tem por que se criar uma situação de privilégio para agremiações estudantis que – nunca é demais repetir – há muito deixaram de representar os estudantes e hoje são porta-vozes de determinados partidos e ideologias políticas.

Além disso, sob o argumento de facilitar a fiscalização, condiciona-se a fruição da meia-entrada a uma vinculação com uma entidade privada. Ora, o ingresso nessas associações deve ser sempre absolutamente livre.

A principal inconstitucionalidade da Lei 12.933/2013, no entanto, está em seu artigo 1.º, ao criar duas classes de cidadãos – os que usufruem da meia-entrada e os que devem subsidiar essa meia-entrada.

Assim diz o primeiro artigo da lei: “É assegurado aos estudantes o acesso a salas de cinema, cineclubes, teatros, espetáculos musicais e circenses e eventos educativos, esportivos, de lazer e de entretenimento, em todo o território nacional, promovidos por quaisquer entidades e realizados em estabelecimentos públicos ou particulares, mediante pagamento da metade do preço do ingresso efetivamente cobrado do público em geral”.

Ainda que permeada de boas intenções – a princípio, viria facilitar o acesso dos estudantes aos eventos culturais, esportivos e de entretenimento –, essa regra, de fato, cria ônus e subtrai direitos. Quando a lei fixa para uma parcela do público o direito de compra dos ingressos pela metade do preço, o dono do estabelecimento ou organizador do evento se vê obrigado a aumentar o preço da entrada. Caso contrário, sua conta de receitas e despesas simplesmente não fecha.

Com o aumento do preço dos ingressos – o valor do subsídio aos estudantes é incorporado ao preço cobrado do “público em geral” –, a cultura, o lazer e o entretenimento tornam-se ainda mais inacessíveis à imensa maioria da população, que não é estudante nem tem alto poder aquisitivo. É preciso enfrentar essa injustiça.