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A isonomia processual

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Por Redação
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Um ano depois de ter sido acionado pela seccional fluminense da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que questionou a nomeação de procuradores da Fazenda Nacional como assessores de juízes e desembargadores no julgamento de processos tributários, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) começou a julgar o caso de uma procuradora da Fazenda cedida em outubro de 2011 para trabalhar com um juiz convocado do Tribunal Regional Federal (TRF) da 2.ª Região (Rio de Janeiro e Espírito Santo). Antes de ter sido cedida para o Judiciário, ela coordenou o Projeto de Grandes Devedores da Fazenda. Um mês depois, o magistrado com quem trabalhava negou liminar pedida pela Vale do Rio Doce para suspender a cobrança de R$ 30 bilhões, relativa ao recolhimento do Imposto de Renda e da CSLL. Alegando que a presença de procuradores do Executivo em gabinetes da segunda instância do Judiciário quebra a igualdade entre as partes litigantes e compromete a imagem de isenção e independência da Justiça, a OAB-RJ levou o caso ao CNJ. Em sua defesa, a procuradora afirmou que não tinha "interesse econômico, político ou ideológico em favorecer uma das partes", na pendência judicial entre a Vale e a Receita. Mas, alegando que "os assessores têm poder de influência sobre a formação da convicção dos magistrados", a OAB-RJ refutou o argumento e um conselheiro do CNJ concedeu liminar determinando a exoneração da procuradora. Desde que o CNJ iniciou o julgamento do caso, o plenário ficou dividido. Alguns conselheiros afirmaram que, se a nomeação de procuradores da Fazenda para cargos no Judiciário for proibida, a Justiça Federal ficará sem assessoria técnica competente. Segundo eles, os procuradores da Fazenda conhecem princípios gerais de direito público e têm experiência em questões fiscais. Outros conselheiros alegaram que a cessão de procuradores para a Justiça viola a isonomia processual. "O Judiciário é o porto imparcial para onde o cidadão pode acorrer nos casos de violação de seu direito. A expectativa dele é encontrar solução segura e não comprometida com a outra parte do litígio", disse o conselheiro Lúcio Munhoz.As discussões se tornaram mais acirradas depois que o presidente do CNJ, ministro Joaquim Barbosa, intervindo no debate, afirmou que a presença de procuradores da Fazenda nos tribunais "é a coisa mais comum do mundo" e que o TRF da 2.ª Região "simplesmente vai ignorar a liminar". Em nota, a OAB-RJ declarou-se perplexa com as declarações de Barbosa, acusando-o de considerar "normal" o descumprimento das decisões do conselho que preside. "A exoneração da procuradora deve ser feita sob pena de o CNJ responsabilizar o gestor do tribunal", conclui a nota. Por causa da polêmica gerada pelas declarações de Barbosa, o julgamento foi suspenso por um pedido de vista e será retomado nas próximas sessões.A cessão de procuradores da Fazenda Nacional - e também de membros da Advocacia-Geral da União (AGU) - para atuar como assessores de magistrados em processos tributários é permitida por leis federais somente nos tribunais superiores. Foi por isso que a seccional fluminense questionou a presença da antiga coordenadora do Projeto de Grandes Devedores da Fazenda num tribunal de segunda instância. Independentemente da decisão que o CNJ vier dar ao caso, já que julgamento da liminar pode abrir um precedente, o problema não é apenas jurídico. Acima de tudo, é uma questão moral. Não faz sentido, tanto nas instâncias intermediárias quanto nas instâncias superiores da Justiça, a nomeação de membros de uma das partes nos litígios fiscais - a Fazenda Nacional - para atuar como assessora dos árbitros. A transferência não é de um setor administrativo para outro, mas de um Poder autônomo para outro. Se a Justiça Federal quer assessores competentes e experientes para a segunda instância, que faça concursos públicos para escolher um corpo técnico qualificado para trabalhar com juízes e desembargadores.