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A janela do amanhã

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Por GAUDÊNCIO TORQUATO
4 min de leitura

Ao lembrar que a juventude é a "janela pela qual o futuro entra no mundo", no discurso que abriu sua agenda no País, o papa Francisco quis ressaltar o motivo de sua peregrinação - presença na Jornada Mundial da Juventude - e também alertar aos políticos que aos jovens devem ser dadas condições para exercerem de maneira condigna seu papel na sociedade. Foi bastante claro: "A nossa geração se demonstrará à altura da promessa contida em cada jovem quando souber abrir-lhe espaço". Um recado adequado no momento oportuno para a plateia certa. A população jovem brasileira soma 51 milhões de pessoas - 10 milhões entre 15 e 17 anos, 23,1 milhões entre 18 e 24 anos e 17,5 milhões entre 25 e 29 anos - e vem sendo, nos últimos tempos, o motor da mobilização social nas grandes e médias cidades do País. Como agrupamento mais descontente com a classe política, desfralda o simbolismo citado pelo carismático pontífice para fustigar as fortalezas do poder e, à sua maneira, aplainar os caminhos de um amanhã que se lhe apresenta sombrio, uma existência que ameaça ser mais sofrida que a de seus pais. O fato é que aos jovens não tem sido oferecido espaço para participação mais efetiva no processo político-institucional. Não que lhes seja tolhido o direito de ingressar na vida pública. O que os afasta da esfera política são as formas tradicionais de representação, o modus operandi dos atores, as ações e atitudes escandalosas que sujam a imagem dos representantes nas instâncias federativas. Pesquisa feita por Época/Retrato mostra que apenas 1% dos jovens é filiado a partido político, o que não quer dizer desinteresse pela política, eis que dois em cada cinco adolescentes entre 16 e 18 anos gostariam de seguir carreira política numa moldura partidária mais limpa. Outro mapeamento, do Centro de Pesquisas do Instituto Paulista de Adolescência, revela que menos de 20% dos jovens de 16 a 18 anos têm título de eleitor. Corrobora-se a visão de que os poucos jovens que decidem enveredar pela trilha política são cooptados por uma cultura viciada em "ismos" (fisiologismo, grupismo, mandonismo, nepotismo) e acabam se transformando em "novos coronéis", passando a compartilhar os currais da velha política. Não por acaso, temos uma arcaica e gigantesca máquina política, povoada por 64 mil detentores de cargos eletivos, de presidente da República a vereador - candidatos a prefeito e vereador somam 380 mil! Não é de surpreender, assim, que as temáticas de interesse dos jovens, a partir da educação, fiquem longe das pautas congressuais. Quando o assunto é pertinente - como a questão dos cursos de medicina e da importação de médicos - a voz da estudantada se avoluma em protestos. Na verdade, as políticas públicas voltadas para as causas dos jovens são pontuais e segmentadas. É o caso do programa Bolsa Família. Não se nega que milhões de brasileiros tenham deixado o território da miséria, o que proporcionou melhores condições de vida a jovens pobres. Mas os jovens da classe média tradicional não foram contemplados com programas orientados para o aperfeiçoamento de suas condições educacionais e profissionais, o que acaba contribuindo para adensar a contrariedade no meio da pirâmide social. Seus horizontes ficaram mais turvos, contribuindo para fortalecer a cadeia de mobilização e unindo elos da corrente de indignação, que agrega muitos parceiros. Sem o comando de líderes tradicionais, os jovens acorrem às ruas e dão forma a um novo polo de poder, na sustentação da hipótese de que, "se o poder centrífugo não atende ao clamor das turbas, o poder centrípeto o empurrará". A par de demandas reprimidas, registra-se o desfile de casos escabrosos, principalmente na apropriação vergonhosa de recursos públicos, o que contribui para aumentar o produto nacional bruto da insatisfação social. O segmento jovem, ademais, é o que tem visão mais pragmática da política e entende que esta se desvia de sua finalidade básica de atender ao bem comum. Tem faltado, isso sim, compreensão do papel da juventude na sociedade. A velha classe dirigente, por seu lado, luta a todo custo para preservar o status quo. Entender o jovem exige, primeiro, inseri-lo no quadro de transformações das últimas décadas. Karl Popper e Konrad Lorenz constatam, em O Futuro Está Aberto, a existência de um abrangente processo de massificação na sociedade, marcado, sobretudo, pela perda de valores. O fim da guerra fria desfez as clássicas divisões ideológicas. Os países romperam fronteiras, integrando-se aos mercados globais e acompanhando a evolução tecnológica. O capital físico, variável-mor do crescimento econômico, cedeu lugar ao capital humano, caracterizado pelo conjunto de capacitações que as pessoas obtêm por meio da educação, do treinamento e da experiência para desempenhar suas atividades com competência. Essa é a nova ordem que instiga os jovens. Quando falta a matéria-prima deste novo ciclo - que caracteriza a sociedade da informação e do conhecimento - a frustração se estabelece. Da frustração para a revolta, o passo é curto, a rebeldia se impõe. Não estão os jovens preocupados com ideologia, direita ou esquerda. Pode ser que em um ou outro país o fundamentalismo de cunho religioso seja o leitmotiv das mobilizações. Por aqui o pragmatismo abre alas. Nossos jovens não vivenciaram os anos de chumbo, apenas uns poucos ouviram dos pais os ecos dolorosos do passado. A preocupação que os move agrega questões como educação, emprego, melhoria dos serviços públicos. Reivindicam condições para competir num mercado cada vez mais exigente. Se a nossa geração não souber abrir espaço para a juventude, a janela do futuro ficará fechada. Abram os ouvidos, políticos e dirigentes, à profecia desse jesuíta, o papa Francisco.

* GAUDÊNCIO TORQUATO É JORNALISTA, PROFESSOR TITULAR DA USP, CONSULTOR POLÍTICO E DE COMUNICAÇÃO. TWITTER: @GAUDTORQUATO.