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A Justiça e as finanças públicas

Decisão de Lewandowski colide frontalmente com a realidade econômica e social do Estado da Paraíba

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Por Redação
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Integrantes do Judiciário continuam sem compreender que, apesar de os Poderes serem independentes, a responsabilidade pelo que entra e sai dos cofres públicos é do Executivo. Desta vez, o desconhecimento desse princípio elementar foi demonstrado pelo ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal, ao atuar como relator no julgamento de um mandado de segurança impetrado pelo Tribunal de Justiça da Paraíba contra o Executivo estadual.

A Corte alegou que, em abril, o governo paraibano depositou apenas uma parte do duodécimo da dotação orçamentária a que ela tem direito. Segundo o Tribunal, de um repasse previsto de R$ 51,6 milhões, só foram depositados R$ 49,7 milhões. Em sua defesa, o Executivo informou que, por causa da crise fiscal causada pela recessão econômica, não dispunha de recursos suficientes para bancar todas suas despesas de custeio e as dotações orçamentárias do Legislativo, do Judiciário e do Ministério Público. Também afirmou que os valores da Justiça retidos temporariamente foram decisivos para que a administração pública mantivesse em funcionamento escolas, postos de saúde, hospitais e delegacias de polícia.

Em decisão monocrática, Lewandowski concedeu a liminar pedida pelo Tribunal de Justiça e mandou o governo estadual depositar os valores integrais não apenas relativos ao mês de abril, mas aos duodécimos restantes do ano, impreterivelmente até o dia 20 de cada mês. Para o ministro, o contingenciamento de parte dos recursos das dotações orçamentárias do Tribunal de Justiça estadual, ainda que o valor da quantia retida tenha sido relativamente baixo, configurou “um quadro de grave e inadmissível interferência direta do Poder Executivo na autonomia administrativa e financeira do Poder Judiciário local”. Independentemente das “eventuais frustrações de receita”, concluiu Lewandowski, o governo paraibano teria agido por meio de “atos unilaterais carentes de legitimidade do ponto de vista constitucional e legal”.

A decisão colide frontalmente com a realidade econômica e social do Estado da Paraíba. Assim que a decisão de Lewandowski foi anunciada, o governo estadual distribuiu nota afirmando que ela porá “em risco concreto e imediato as finanças e, consequentemente, o equilíbrio financeiro do Estado”. Além do risco de suspensão de serviços públicos essenciais, a liminar concedida pelo ministro comprometerá o pagamento em dia dos salários do funcionalismo estadual e a manutenção das metas fiscais impostas pelo governo federal para fins de concessão de empréstimos e financiamentos para investimentos em obras de infraestrutura, disseram as autoridades fazendárias paraibanas. Alegaram, ainda, que não terão condições de cumprir uma lei aprovada pela Assembleia Legislativa da Paraíba no ano passado, que impôs um teto para gastos públicos no Estado.

A exemplo do que vem ocorrendo em outras unidades da Federação, a situação financeira do Estado da Paraíba é tão vulnerável que, na elaboração do projeto de Lei de Orçamento Anual (LOA) para 2018, o governo estadual teve de congelar gastos de custeio de todos os Poderes. No caso específico do Judiciário, o orçamento previsto para 2018 foi o mesmo de 2016 e 2017. Contudo, alegando que a Constituição paraibana prevê que os Três Poderes não podem receber valores inferiores ao ano anterior – o que, se for levado ao pé da letra, significa que, por determinação constitucional, a economia não pode sofrer revezes –, a Associação dos Magistrados da Paraíba recorreu ao Tribunal de Justiça e a Corte, decidindo em causa própria, acolheu o recurso. Nesse meio tempo, a Assembleia aprovou a peça orçamentária encaminhada pelo Executivo, o que levou a Corte a recorrer ao Supremo.

Tanto esse recurso como o despacho dado a ele pelo ministro Lewandowski são mais uma demonstração do grau de descolamento da realidade por parte de uma corporação que perdeu inteiramente a noção de responsabilidade fiscal.