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A Justiça e os pedidos de vista

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Por Redação
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O uso exagerado do pedido de vista e a demora excessiva na devolução dos processos, por ministros dos tribunais superiores, não estão só retardando o julgamento de processos judiciais de grande relevância social, econômica e política. Também estão sendo utilizados pelos juízes como uma espécie de direito de veto, pois a demora da apresentação do voto-vista impede a aplicação de leis. Como efeitos colaterais, essa prática distorce o sistema legislativo e gera tensões entre os Poderes. Há um ano, por exemplo, o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, pediu vista durante o julgamento de uma ação que pedia o fim de doações de pessoas jurídicas para campanhas eleitorais. Seis ministros já haviam votado favoravelmente ao pedido - o que significa, na prática, que o caso já estava resolvido. Mas, apesar de o regimento interno da Corte fixar o prazo de 30 dias para a devolução do processo ao plenário, até hoje Mendes o mantém em seu gabinete, o que impede a conclusão do julgamento. Diante das naturais críticas de partidos e entidades da sociedade civil, o ministro alega que a definição do modelo de financiamento de campanhas eleitorais é de competência do Legislativo e não do Judiciário. Contudo, a Câmara e o Senado não podem votar matérias que se encontram sub judice. Intitulada O Supremo e o tempo, pesquisa realizada pela Fundação Getúlio Vargas com base em 1,5 milhão de processos em tramitação na mais alta corte do País revelou que há ações com mais de dez anos paralisadas por causa de um único pedido de vista. Atualmente, segundo levantamento do jornal O Globo, há 216 processos com o julgamento paralisado por pedidos de vista. São processos que discutem temas relativos à constitucionalidade de planos econômicos, cobrança de IPTU, recolhimento de contribuição previdenciária de aposentados e dispensa de licitação para a contratação de organizações sociais para executar serviços públicos. O pedido de vista mais antigo - relativo a uma ação direta de inconstitucionalidade que disciplina o contrato de trabalho temporário - data de maio de 1998. A vista foi pedida pelo então ministro Nelson Jobim, que se aposentou em 2006, deixando o caso para sua sucessora, a ministra Cármem Lúcia Rocha. Ela recebeu o processo em 2010 e o caso até hoje não teve andamento. Outro processo há tempos parado está no gabinete do ministro José Celso de Mello Filho, que é o decano do Supremo. O processo foi protocolado em 2007 e a vista foi pedida em 2008. Aposentado em 2012, o ministro Ayres Britto fez 76 pedidos de vista e devolveu apenas 6 processos ao plenário, antes de deixar o Supremo. Empossado em junho de 2013, seu sucessor, ministro Luís Roberto Barroso, já pediu vista de 31 processos e só devolveu 3 ao plenário. Recentemente, quando ia apresentar o voto num processo de que pedira vista há quatro anos, um ministro engasgou-se com uma bala, teve uma crise de tosse e não conseguiu mais falar. O julgamento do processo - que chegou à Corte em 1995 - teve de ser adiado. O uso exagerado do pedido de vista e a demora na devolução dos processos também são um problema nos demais tribunais superiores. Entre 2008 e 2014, os 33 ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ) - a segunda mais importante corte do País - fizeram mais de 6 mil pedidos de vista. A média de tempo entre o pedido e o julgamento das ações, nesse período, foi de quase três anos. Na vista mais demorada, o julgamento só foi retomado depois de mais de cinco anos. Em novembro de 2014, havia 345 casos com julgamento paralisado por pedidos de vista não devolvidos. Em dezembro, o STJ introduziu no regimento interno um artigo que confere aos ministros o prazo de 60 dias, prorrogáveis por mais 30, para a apresentação dos votos-vista. Se não o fizerem, o julgamento será retomado por decisão do presidente da Corte, o que não tem acontecido. O pedido de vista serve para que os juízes examinem melhor os casos mais complexos. Mas os processos retidos prejudicam quem recorre à Justiça e, pela demora da prestação judicial, desprestigiam as cortes.