
21 Março 2010 | 00h00
Não é de surpreender, pois, que a maioria dos vereadores tenha, na prática, acabado com uma das grandes conquistas da cidade - as regras que garantiam a execução do Programa de Silêncio Urbano (Psiu) e possibilitavam aos paulistanos um mínimo de tranquilidade depois de sua dura e extenuante jornada de trabalho. A Câmara acaba de derrubar o veto do prefeito Gilberto Kassab àquela que já é chamada, com malícia e propriedade, de "lei do barulho", resultante de projeto do vereador Carlos Apolinário (DEM), que ironicamente é o líder do partido do prefeito.
A nova lei torna inviável o Psiu, ao exigir que a fiscalização seja feita na casa do vizinho do local denunciado como barulhento, ao reduzir os valores das multas, ao ampliar os prazos para a interdição dos estabelecimentos faltosos e ao acabar com a denúncia anônima. Quanto ao local da fiscalização, argumenta Apolinário que, se o barulho for medido "dentro do local da reunião, nem festa de aniversário vai poder ter mais. Na Câmara, se você for medir, fecha a Câmara".
O conjunto das mudanças deixa evidente que o argumento é falacioso e que o verdadeiro objetivo da nova lei não é preservar festinhas de aniversário que estariam ameaçadas por maníacos do silêncio, mas garantir a impunidade dos barulhentos. Se o problema fosse apenas o do local de medição do barulho, não haveria razão para reduzir substancialmente o valor das multas, que antes ficavam entre R$ 4 mil e R$ 17 mil e agora oscilam entre R$ 500 e R$ 8 mil.
Não seria preciso também acabar com a denúncia anônima nem exigir, no momento da medição do barulho, a presença no local onde isso será feito do vizinho denunciante, do fiscal e do dono do estabelecimento contra o qual a queixa foi feita. A intenção é, com isso, constranger o denunciante e, assim, evitar que ele reclame seu direito ao silêncio. Finalmente, seria igualmente desnecessário estabelecer prazos pelos quais a interdição de um estabelecimento faltoso, que antes era feita em até três meses, agora não ocorrerá em menos de um ano.
A verdade - que os argumentos ardilosos do vereador Apolinário não conseguem esconder - é que, por trás de todo esse bem-sucedido esforço para acabar com o Psiu, está a intenção de garantir a impunidade de templos evangélicos onde se abusa do barulho durante os cultos religiosos. Há muito tempo o vereador vinha tentando evitar que o Psiu interferisse nos templos. Conseguiu até aprovar uma lei que criava regras diferentes para todos os templos - restringi-las aos evangélicos seria demais - no que se refere ao barulho. Como essa lei foi derrubada na Justiça, Apolinário voltou à carga com a lei que agora entrará em vigor, que estendeu o privilégio a todos os locais de reunião. Deixou felizes tanto aqueles evangélicos que abusam do barulho como os donos de casas noturnas.
Infelizes ficaram aqueles paulistanos, que desde 2007 passaram a ter bons motivos para alimentar a esperança de acabar com os abusos dos barulhentos. Em 2006, o Psiu multou 74 estabelecimentos por excesso de barulho e outros 127 foram punidos por não terem autorização para funcionar de madrugada. No ano seguinte, aqueles números saltaram, respectivamente, para 221 e 412. O apoio da população, que se refletiu no aumento das denúncias contra os barulhentos, e o rigor da fiscalização fizeram com que São Paulo, que chegou a ser a segunda cidade mais barulhenta do mundo, ocupasse em 2008 o oitavo lugar, uma melhora considerável.
É todo esse esforço bem-sucedido para garantir o merecido sossego dos paulistanos que a Câmara pôs a perder, irresponsavelmente.
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