
25 de setembro de 2013 | 02h07
A reportagem de Valmir Hupsel Filho e Fausto Macedo na edição de domingo (22 de setembro) deste jornal não deixa dúvida quanto a isso. Pelas contas dos repórteres, "chance de novo julgamento no STF pode adiar sentença de mais 306 ações penais". Ou seja, a oportunidade dada por seis em 11 ministros supremos aos petralhas-em-chefe, num processo que dura mais de sete anos para julgar delitos de que são acusados há mais de oito, esticará a delonga notória de que gozam réus em 306 ações penais e 533 inquéritos criminais, alguns dos quais se tornarão ações desde que as denúncias sejam aceitas pela Corte.
Entre estes há ex-inimigos do PT convertidos à grei dos comensais do poder socialista. De acordo com o levantamento dos dois repórteres, o deputado federal Paulo Maluf (PP-SP), que de acusado de "filhote da ditadura" passou a aliado fiel na campanha vitoriosa de Fernando Haddad à Prefeitura paulistana, responde a duas ações por crimes contra o sistema financeiro nacional. Numa delas, a 461, de 2007, também é acusado por formação de quadrilha, lavagem de dinheiro e ocultação de bens.
Caso similar é o de Fernando Collor de Mello, a quem a bancada petista negou até o direito de renunciar para lhe impor a humilhação do impeachment, interrompendo mandato que ganhou nas urnas contra o principal líder dela, Luiz Inácio Lula da Silva. De volta à política como senador de Alagoas pelo PTB, depois de absolvido por inépcia da denúncia que o defenestrou do cargo máximo do Poder Executivo, pertence à base de apoio, na qual tem prestado relevantes serviços ao governo do PT, PMDB e outros aliados. Ele é réu em duas ações desde 2007: numa é acusado por cinco crimes, entre os quais corrupção passiva e ativa, e em outra, por delitos contra a ordem tributária.
Outro beneficiário da decisão da maioria do plenário do STF é o maior partido da oposição ao governo a que Maluf e Collor dão apoio parlamentar - o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB). Desde 2009 o deputado federal Eduardo Azeredo (MG) responde à Ação Penal 536 pelos crimes de peculato, lavagem de dinheiro e ocultação de bens e valores. O caso é conhecido como "mensalão mineiro" e inspira o mantra com que os petistas cobram tratamento igualitário da Justiça.
Pois é exatamente de tratamento desigual que se trata. Dirceu, Genoino, João Paulo, Maluf, Collor e Azeredo, entre tantos outros, gozam de dois privilégios negados aos lambões de caçarola das periferias metropolitanas e aos mutuários do Bolsa Família nos sertões. O primeiro é o acesso à última instância do Judiciário, reservada para quem possa pagar - ou quem tenha amigos dispostos a fazê-lo - os advogados mais caros. Outro, ainda mais incomum, é o da instância única. Mandatários do governo e da oposição são poupados dos contratempos dos julgamentos em baixas instâncias da Justiça pelo chamado "foro privilegiado" e respondem direto à Corte máxima do Judiciário.
Não foi, então, por coincidência que a sexta e decisiva adesão ao recebimento dos embargos - e é bom que se diga que há fundamento jurídico para qualquer decisão que ele tomasse - tenha sido feita pelo decano Celso de Mello, autor do mais candente voto contra a compra de apoio político no julgamento propriamente dito. O infecto sistema prisional brasileiro, de que reclama o ministro petista da Justiça, José Eduardo Martins Cardozo, o causídico casuísta, é um inferno onde só entram os velhos três pês de sempre: pobres, pretos e prostitutas. Clientes de clubes, alfaiates e restaurantes frequentados por maiorais do Poder republicano que julga são poupados de dissabores como o cumprimento de pena em insalubre prisão fechada.
Sem ser injusto com o decano - cinco pares votaram com ele -, mas apenas para aproveitar a oportunosa ensancha da citação com que abriu seu voto de desempate (e não de Minerva, pois a deusa romana, coitada, nada tem que ver com isso), o patrono dos majoritários na decisão foi trazido a lume por ele. Poderia ter sido o udenista (condição política execrada pelos réus beneficiários) Adaucto Lúcio Cardoso, que preferiu abdicar da toga a submeter-se à arbitrariedade da ditadura militar que chegou a apoiar. Mas foi José Linhares, o presidente do Supremo que passou à História por ter sido alçado à chefia do Executivo pelos militares nos 93 dias entre a queda do Estado Novo e a posse do primeiro presidente que governou sob a Constituição de 1946. E que ganhou a jocosa alcunha de Zé Milhares, dada pelo populacho que não tem acesso ao Supremo por causa da profícua nomeação de parentes, pela qual sua curta e medíocre gestão se tornou notória.
Parece lógico ter-se o voto decisivo pela aceitação dos embargos inspirado no juiz que simboliza o nepotismo nesta República em que nomear parentes para o serviço público é uma das piores pragas. Não tem esse vício DNA idêntico ao da impunidade de poucos no império da lei para todos?
*José Nêumanne é jornalista, poeta e escritor.
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