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A lógica perversa na perda de água

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Por Washington Novas
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O Dia Mundial da Água, 22 de março, motivou a publicação de informações importantes sobre recursos hídricos, em diversos setores e formatos. E isso talvez permita aproximação relacionada diretamente com os interesses de cada cidadão. Um dos ângulos mais tratados na comunicação foi o das perdas de água nas redes públicas de distribuição no País, avaliadas (Estado, 20/3) em 37,5% do faturamento das empresas operadoras dos serviços. Se houvesse uma redução de 10% nas perdas, seria possível um acréscimo de R$ 1,3 bilhão na receita dessas empresas, calculado sobre os dados de 2010, segundo o Instituto Trata Brasil. Dinheiro do cidadão hoje jogado fora, num momento em que quase 10% da população nacional não recebe água potável, quase 50% não dispõe de redes coletoras de esgotos (23 milhões de domicílios, conforme este jornal em 12/11/2012) e apenas 37,9 % dos esgotos coletados recebem alguma forma de tratamento (Valor, 12/11/2012). E por que não se muda esse quadro, já que ele implica para os cidadãos dinheiro retirado de seus bolsos, no caso das perdas de água das redes públicas, e uma vez que os 37,5% da água que não chegam, por causa das perdas, às casas, aos escritórios, etc., terão de ser supridos com a construção de novos reservatórios, novas adutoras e novas estações de tratamento? Tudo pago pelos contribuintes, por meio dos impostos. Um episódio real ajudará a entender. O autor destas linhas foi a uma pequena cidade, onde o prefeito lhe perguntou se o interlocutor não conseguiria ajuda para tornar viável, no governo federal, um empréstimo para implantar uma nova barragem/reservatório, nova adutora e nova estação de tratamento de água para a zona urbana. Quando lhe foi perguntado se sabia quanto se perdia de água (por furos e vazamentos) na rede de distribuição, já bem antiga, ele respondeu que o levantamento da empresa apontava uma perda de 60%. E por que não se fazia um plano de recuperação da rede, o que seria algumas vezes mais barato? A resposta foi imediata: porque nenhum órgão de governo ou banco oficial financiava esse tipo de projeto. Dois anos mais tarde, informou ele que conseguira um financiamento federal para as novas barragem, adutora e estação de tratamento, que estavam quase prontas. Com esse caminho não se eliminaria o desperdício nas instalações antigas, pagas pelos cidadãos, e estes teriam ainda de arcar com as novas. E por que é assim? Porque as empreiteiras de obras, que têm enorme influência nas políticas, ditam esse caminho - graças às contribuições que dão para as campanhas eleitorais dos administradores, de que são a maior fonte de recursos (e a outros caminhos). E a elas só interessam obras maiores e menos trabalhosas. Aos administradores interessa exibir suas obras, e não as que estão debaixo da terra. Só há pouco tempo se teve notícia de que um banco oficial estava financiando a recuperação de uma rede subterrânea em Pernambuco - caso único até ali. Mas continuará chegando às cidades desperdiçadoras a caríssima água transposta do Rio São Francisco. O fato é que, por essas e outras, há Estados onde a média de perda nas redes é superior a 50%. O Distrito Federal é exceção, sem nenhuma perda em sua rede, seguido pelo Paraná (1,35%) e pelo Rio Grande do Sul (3,37%). No Estado de São Paulo a perda apontada (Instituto Trata Brasil) é de 32,55%. Na capital, nos últimos anos as perdas, reduzidas, caíram para 25,6%, o que significou um ganho de R$ 275,8 milhões anuais. O objetivo é chegar a 2019 com perda entre 10% e 15%, mediante investimento de R$ 4,3 bilhões. O Japão perde apenas 3% da água que trata e a Rússia, 20% (Sabesp, 15/3). Precisamos evoluir muito. De acordo com a Agência Nacional de Águas, mais de 3 mil municípios brasileiros precisam investir, até 2015, nada menos do que R$ 22 bilhões para atenderem às demandas novas e antigas por água. Inclusive para resolver problemas como o do atual despejo de 15 bilhões de litros diários de esgotos sem tratamento nos rios, lagos, mangues e no litoral - a principal causa da poluição. Enquanto isso, 7,2 milhões de pessoas nem sequer dispõem de instalações sanitárias em suas casas (O Globo, 19/3). Eliminar o déficit na área de saneamento exigiria investimento de R$ 157 bilhões até 2030. Benedito Braga, o brasileiro que preside o Conselho Mundial da Água, diz que em uma década nosso panorama em matéria de água poderá repetir o que acontece hoje no setor de energia. Só 6% das nossas água estão em situação "ótima" e 19% em situação "regular ou péssima". Mas dos R$ 4,33 bilhões previstos de recursos orçamentários em 2012, R$ 3,15 bilhões foram emprestados e apenas R$ 442,6 milhões "liquidados" (Roberto Malvezzi, Rema Atlântico, 5/3). O Plano Nacional de Saneamento Básico precisaria de R$ 426 bilhões em 20 anos. Mas estamos longe desse caminho. Também no mundo o panorama é inquietante. O volume de água para produção de energia dobrará em 25 anos, segundo a Agência Internacional de Energia. Metade das áreas úmidas no planeta foram perdidas ao longo do século 20, por causa da expansão urbana e do maior uso na agricultura e na indústria. Mas poderia haver soluções mais amplas por aqui. No ano passado, R$ 2,2 bilhões foram pagos pelo uso de água por empresas geradoras de energia e repassados a 696 municípios, 223 Estados e ao governo federal. Por que esses recursos não são aplicados no setor de saneamento e na oferta de água? Também a criação de consórcios intermunicipais juntando municípios com menos de 20 mil habitantes poderia ser uma solução interessante, como se discutiu no recente Seminário Internacional de Engenharia em Saúde Pública (Agência Brasil, 20/3). O esgoto condominial, já discutido neste espaço, seria uma solução eficaz e barata para essa parte do saneamento. O que não podemos é continuar sendo regidos, nessa área, pela lógica de empreiteiras e por interesses eleitoreiros.

* Washington Novas é jornalista. E-mail: wlrnovaes@uol.com.br.