Imagem ex-librisOpinião do Estadão

A luta pela verdade

Ao criar uma espécie de universo paralelo de 'notícias', os militantes da mentira e do engano criam a sensação de que é a imprensa tradicional que mente

Exclusivo para assinantes
Por Redação
2 min de leitura

A epidemia das chamadas “notícias falsas”, alimentada sobretudo pelas redes sociais na internet, está obrigando os jornais e outros veículos tradicionais de mídia em todo o mundo a se mobilizarem para defender o mais precioso valor do jornalismo: a verdade dos fatos.

É claro que reportar da maneira mais objetiva e acurada possível os acontecimentos dignos de nota é desde sempre a obrigação primária da imprensa responsável. Mas, desde a campanha eleitoral que colocou Donald Trump na Casa Branca, quando a mentira deslavada surgiu como estratégia oficial da candidatura do magnata norte-americano, essa imprensa, de um modo geral, se viu desafiada pela fábrica de “fatos alternativos” – versões deliberadamente contrárias aos fatos reais, criadas para justificar as absurdas promessas de governo e as bravatas de Trump.

Com a ajuda de seus seguidores, Trump faz campanha dia e noite contra jornais e jornalistas americanos, acusando-os de inventar notícias para prejudicá-lo. As queixas do presidente dos Estados Unidos vão muito além da tradicional má vontade dos poderosos com a imprensa; trata-se de um movimento organizado que pretende deslegitimar o jornalismo em si mesmo, como atividade que mobiliza esforços e recursos para levar ao público informações críticas que os poderosos gostariam de manter nas sombras.

Ao criar uma espécie de universo paralelo de “notícias”, os militantes da mentira e do engano criam a sensação de que é a imprensa tradicional que mente ao noticiar o oposto do que é divulgado pelas redes sociais. A situação tornou-se tão crítica que o jornal The New York Times, incluído por Trump no grupo que, segundo ele, produz deliberadamente “notícias falsas”, teve de publicar um anúncio em que defende “a verdade”.

Em seu anúncio, o New York Times – que, junto com outros importantes veículos, como BBC, The Guardian e CNN, foi impedido de participar de uma coletiva de imprensa na Casa Branca sob acusação de divulgar mentiras a respeito de Trump – diz que a verdade é difícil de ser encontrada, mas “é mais importante agora do que jamais foi”. A ideia é mostrar que o jornalismo profissional, realizado por veículos sólidos e independentes, é o único capaz de frear a onda obscurantista e antidemocrática que se verifica nos Estados Unidos e na Europa, com ecos também no Brasil. Na mesma linha, o jornal The Washington Post adotou como slogan de sua empresa a frase “A democracia morre na escuridão”.

Em meio à campanha eleitoral na França, igualmente contaminada por essa difusão de desinformação a serviço de populistas em geral, vários veículos de imprensa local decidiram unir-se a um projeto dedicado a combater notícias falsas na internet. Um site chamado CrossCheck será usado para responder a essas notícias o mais rápido possível, alimentando também as redes sociais parceiras da iniciativa. A ferramenta permite que leitores em geral colaborem, indicando a origem das mentiras, mas haverá uma equipe formada por 250 jornalistas de várias redações, além de checadores voluntários de universidades francesas, dedicada a verificar e refutar essas informações. A ideia, em resumo, como diz o CrossCheck, é “ajudar o público a saber em quem confiar nas suas redes sociais, nos mecanismos de busca na internet e nos sites de notícias em geral”.

Uma iniciativa dessa envergadura é sintoma claro dos desafios que o jornalismo enfrenta hoje. Quando Trump, na condição de presidente dos Estados Unidos, diz que a imprensa é “inimiga do povo americano” e impede que certos jornais participem de entrevistas coletivas com seu porta-voz ou quando o ex-presidente Lula da Silva incita seus seguidores a hostilizar a imprensa, acusando-a de participar do “golpe” contra o governo do PT e contra os pobres, evidencia-se a guerra em curso, sem fronteiras, contra a imprensa livre e crítica. O jornalismo profissional e consequente, mesmo com todas as suas limitações, felizmente começa a reagir. De sua sobrevivência depende a saúde da democracia.