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A manobra fracassada

Os ministros Marco Aurélio e Ricardo Lewandowski tentaram ganhar no grito o que não puderam ganhar por meio da argumentação e da estratégia

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Por Redação
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Se o julgamento do habeas corpus do sr. Lula da Silva mostrou que é possível o bom senso prevalecer no plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), a sessão de quarta-feira passada também revelou até onde pode ir a ousadia de alguns ministros na tentativa de livrar o ex-presidente petista das consequências da lei. É normal haver num tribunal divergência de opiniões, mas o que os ministros Marco Aurélio e Ricardo Lewandowski fizeram ao longo do julgamento do mérito do habeas corpus foi muito mais do que expor suas posições jurídicas. Tentaram ganhar no grito o que não puderam ganhar por meio da argumentação e da estratégia.

Desde o início da sessão, ficou evidente a tentativa de manobra dos ministros Marco Aurélio e Ricardo Lewandowski. Em vez de julgar o processo que estava em pauta – o habeas corpus n.º 152.752 do ex-presidente Lula contra decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) –, eles queriam usar a sessão para realizar uma revisão geral da atual jurisprudência do STF, que considera plenamente constitucional a possibilidade de dar início à execução da pena após decisão de segunda instância. Tinham a expectativa de que a ampliação do escopo do julgamento de quarta-feira pudesse, de algum modo, dar sobrevida à tese – tão cara aos criminosos – de que a aplicação da pena precisa aguardar o trânsito em julgado da sentença.

A tentativa de manobra foi realizada sem pudor. Repetidas vezes o ministro Marco Aurélio afrontou, ao longo do julgamento, a autoridade da presidente do Supremo, ministra Cármen Lúcia, exigindo que fosse pautado o que ele queria, e não apenas o habeas corpus de Lula da Silva. A ministra Cármen Lúcia foi de exemplar firmeza e serenidade, sem se curvar aos caprichos e deboches do ministro.

Especialmente constrangedora foi a reação de Marco Aurélio e Ricardo Lewandowski durante o voto da ministra Rosa Weber. Quando perceberam que ela não se alinharia à posição em benefício do ex-presidente Lula, os dois ministros cobraram, em explícitos maus modos, explicações da ministra. Sem se perturbar com o destempero, a ministra Rosa Weber foi quem exigiu respeito, lembrando sua longa trajetória na magistratura. “Meu voto é claro. Quem me acompanha nesses 42 anos de magistratura não deveria ter qualquer dúvida do meu voto”, disse a ministra.

“A decisão judicial deve se apoiar não nas preferências pessoais do magistrado, mas na melhor interpretação possível do direito objetivo”, afirmou a ministra Rosa Weber. Tendo em vista que o STF permite o início da execução da pena após a decisão de segunda instância, ela reconheceu que não vislumbrava nenhuma ilegalidade ou abuso na decisão do STJ contra a qual o habeas corpus de Lula se insurgia.

Aos que pretendiam impor uma mudança na orientação do STF, a ministra Rosa Weber explicou que “compreendido o tribunal como instituição, a simples mudança de composição não constitui fator suficiente para mudar jurisprudência”. Em tempos de protagonismo individual, que turva a natureza institucional da Suprema Corte, a advertência da ministra Rosa foi de especial importância.

Os ministros Marco Aurélio e Ricardo Lewandowski não pareciam, no entanto, especialmente atentos às admoestações em prol da colegialidade. Até o final da sessão, estiveram empenhados na obtenção de algum benefício para o sr. Lula da Silva. Mesmo após a definição do placar de 6 a 5 contra o habeas corpus, o ministro Marco Aurélio ainda tentou que o ex-presidente petista não pudesse ser preso até a publicação do acórdão ou de eventuais embargos de declaração. A última manobra também não teve sucesso.

O papel do STF é aplicar e proteger a Constituição, e cabe a cada ministro defender, com liberdade, o que entende ser a melhor posição jurídica para cada caso que é julgado. Nessa tarefa, não cabe constranger os outros integrantes da Corte, alinhavar manobras, achincalhar a autoridade. Na quarta-feira passada, o País foi testemunha de um grande momento do Supremo, que assegurou igualdade na aplicação da lei, mas também viu atitudes que muito destoam do papel do STF. Felizmente, a artimanha foi desfeita.