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Opinião|A ‘mcdonaldização’ da imprensa

O jornalismo moderno reclama curiosidade, rigor, ética e paixão. É o que faz a diferença

Foto do author Carlos Alberto Di Franco
Atualização:

Os pessimistas me aborrecem. Fazem, como dizia Oduvaldo Vianna Filho, “do medo de viver um espetáculo de coragem”. Vivem de mal com a vida. Estão sempre em posição de combate. Não olham para a frente. São homens e mulheres de retrovisor. À semelhança do Quixote, vivem lutando contra moinhos de vento. Falta-lhes equilíbrio, serenidade e bom senso.

O que é côncavo de um lado aparece convexo do outro. Depende só do nosso ângulo de visão. Como lembrou alguém, muitas vezes um defeito é apenas a sombra projetada por uma virtude. Os pessimistas padecem da síndrome das sombras. São incapazes de ver o outro lado: o da virtude.

Algumas críticas ideológicas ao jornalismo, amargas e corrosivas, têm a garra do pessimismo amargo e do sectarismo ressentido. Irritam-se, alguns, com o vigor do jornalismo de denúncia e vislumbram interesses espúrios ou engajamentos partidários. Uma retrospectiva honesta, contudo, evidencia que os jornais nunca tiveram uma relação amorosa com governos, independentemente do colorido ideológico dos poderosos de turno. E é assim que deve ser. As relações entre jornalismo e poder devem ser pautadas por certa tensão. O estranhamento civilizado é bom para a sociedade e essencial para a democracia.

Outros, ingenuamente, criticam a compreensível preocupação dos jornais com a saúde do negócio. Esquecem que sem recursos a independência, base da credibilidade, simplesmente não existe. A saúde dos jornais é importante para uma sociedade livre. Ganhar dinheiro com informação não é um delito. É um dever ético. O lucro legítimo decorre da credibilidade, da qualidade do produto. E a qualidade é o outro nome da ética.

A ética informativa não é um dique, mas um canal de irrigação. A paixão pela verdade, o respeito à dignidade humana, a luta contra a corrupção, a defesa dos valores, enfim, representam uma atitude eminentemente afirmativa.

A ética, ao contrário do que gostariam os defensores de um moralismo piegas, não é um freio às justas aspirações de crescimento das empresas. Suas balizas, corretamente entendidas, são a mola propulsora das verdadeiras mudanças.

O jornalismo de escândalo, ancorado num provincianismo aético, é cada vez menos frequente. Recaídas ocasionais são objeto de críticas e discussões internas.

O jornalismo brasileiro, não obstante suas deficiências, tem desempenhado papel relevante. Ao lancetar os tumores da corrupção, por exemplo, cumpre um dever ético intransferível. A mídia, num país dominado por esquemas cartoriais e assustadora delinquência pública, assume significativa parcela de responsabilidade. O Brasil, graças à varredura dos jornais, está mudando. Para melhor. A cultura da impunidade, responsável pela rotina do acobertamento e dos panos quentes, está, aos poucos, sendo substituída pelo exercício da cidadania responsável.

Os pessimistas, no entanto, querem que as coisas mudem pela ação dos outros. Esquecem que a democracia não é compatível com a omissão rançosa. As críticas à imprensa, necessárias e pertinentes, são sempre bem-vindas. Espera-se, no entanto, que sejam construtivas e equilibradas.

Ouvi, recentemente, uma dessas críticas certeiras num seminário de mídia. Os jornais, dizia meu interlocutor, estão cada vez mais parecidos e sem graça. Concordo, embora parcialmente.

A “mcdonaldização” dos jornais é um risco que convém evitar. A crescente exploração do entretenimento e da superficialidade informativa em prejuízo da informação de qualidade tem frustrado inúmeros consumidores de jornais. O público-alvo dos jornais não se satisfaz com o hambúrguer jornalístico. Trata-se de uma fatia qualificada do mercado. Quer informação aprofundada, analítica, precisa e confiável.

É preciso investir na leveza formal e no fascinante mundo digital. Sem dúvida. O investimento em didatismo, clareza, pautas próprias e agenda positiva são, entre outras, algumas das alavancas do crescimento. Mas nada disso, nada mesmo, supera a qualidade do conteúdo. É aí que se trava a verdadeira batalha. Só um produto consistente tem a marca da permanência. O jornal The New York Times sabe disso como nenhum outro: “Produzir jornalismo de qualidade e matérias sérias de maneira mais atraente”. Qualidade e bom humor. É isso.

Outro detalhe: os jornalistas precisam escrever para os leitores. É preciso superar a mentalidade de gueto, que transforma o jornalismo num exercício de arrogância. Cadernos culturais e econômicos, frequentemente, dialogam consigo mesmos. O leitor é considerado um estorvo ou um chato. É preciso escrever com simplicidade e explicar os fatos.

O jornal precisa moldar o seu conceito de informação, ajustando-o às necessidades do público a que se dirige. Outro detalhe importante, sobretudo em épocas de envelhecimento demográfico: a tipologia empregada pelos jornais tem de levar em conta os problemas visuais dos seus consumidores. Falando claramente: os jornais precisam trabalhar com letras grandes.

Apostar em boas pautas (não muitas, mas relevantes) é outra saída. É melhor cobrir magnificamente alguns temas do que atirar em todas as direções. O leitor pede, em todas as pesquisas, reportagem. Quando jornalistas, entrincheirados e hipnotizados pelas telas dos computadores, não saem à luta, as redações se convertem em centros de informação pasteurizada. O lugar do repórter é a rua, garimpando a informação, prestando serviço ao leitor e contando boas histórias. Elas existem. Estão em cada esquina das nossas cidades. É só procurar.

*É jornalista; e-mail: difranco@iics.org.br

Opinião por Carlos Alberto Di Franco

Jornalista