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A municipalização do ensino

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Por Redação
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Incentivado por leis federais que vêm sendo editadas há treze anos, o chamado processo de "municipalização do ensino" até hoje não apresentou os resultados esperados para a qualidade da educação infantil e básica. A iniciativa, prevista pela Lei de Diretrizes e Bases (LDB), de 1996, foi justificada com base na premissa de que, quanto mais as prefeituras assumissem a responsabilidade pelas oito séries do ensino fundamental, perfazendo funções até então executadas pelas Secretarias estaduais de Educação, maior seria o aproveitamento dos estudantes, uma vez que as autoridades municipais saberiam adaptar os currículos às características sociais e econômicas específicas de suas respectivas regiões e solucionar mais rapidamente eventuais problemas pedagógicos. Uma pesquisa feita pela FGV revela que isso não aconteceu, pois a maioria das prefeituras assumiu as novas tarefas sem se preparar, tecnicamente, para gerir o sistema escolar com maior autonomia funcional. Os municípios, principalmente os de pequeno e de médio portes, receberam vultosos recursos adicionais dos governos estaduais e da União para administrar a rede pública de ensino fundamental, mas não desenvolveram projetos pedagógicos na medida de suas necessidades, não aparelharam as escolas sob sua responsabilidade e não qualificaram os corpos administrativo, técnico e docente. O número de alunos da rede estadual de educação fundamental caiu de 16,7 milhões, em 1991, para 11,3 milhões, em 2009. No mesmo período, o número de alunos da rede municipal desse nível de ensino passou de 8,7 milhões para 17,6 milhões. O Sudeste e o Nordeste são as regiões que têm a maior porcentagem de estabelecimentos transferidos dos Estados para os municípios - 41% e 28%, respectivamente. Depois de comparar resultados de alunos da 4ª série do ensino fundamental de 4.934 escolas públicas em todo o País, nas disciplinas de matemática e português, a pesquisa da FGV concluiu que o desempenho dos estudantes das escolas municipalizadas, em 1997, 1999, 2001 e 2003, foi praticamente o mesmo dos estudantes da rede estadual. Uma das principais fontes de informação do estudo da FGV foi a Prova Brasil. Criada em 2005, desde então ela é aplicada em todas as escolas públicas para os alunos da 4ª à 8ª séries do ensino fundamental. Até 2005, a única avaliação existente, o Sistema de Avaliação do Ensino Básico (Saeb), era feita por amostragem. Os pesquisadores cruzaram os dados das duas avaliações, definiram uma base de comparação para análise dos dados do Saeb anteriores à Prova Brasil, "descontaram" a influência de fatores como idade dos alunos, cor, gênero e escolaridade dos pais e constataram que, em matéria de aproveitamento escolar, quase nada mudou nos colégios estaduais que foram municipalizados. "A municipalização não surtiu efeito", diz André Portela, professor da Escola de Economia da FGV e coordenador da pesquisa. "Muito se dizia que o desempenho das escolas deveria melhorar à medida que elas ficassem mais perto do centro de tomada de decisões, mas esse processo se deu de forma descuidada", afirma o presidente da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação (CNE), César Callegari. Para a secretária de Educação Básica do Ministério da Educação (MEC), Maria Pilar Lacerda, como cerca de 80% dos municípios brasileiros têm menos de 20 mil habitantes, eles não dispõem de "massa crítica" para assumir as responsabilidades previstas pela LDB. Nas pequenas cidades, inclusive no Estado de São Paulo, lembra ela, a secretária municipal de Educação costuma ser a diretora da única escola existente. A municipalização do ensino fundamental é uma estratégia importante para melhorar a qualidade da rede escolar pública. Mas, para que surta efeito, é preciso que as prefeituras invistam em projetos pedagógicos e que os gestores municipais sejam fiscalizados e cobrados. Nos países onde a descentralização do ensino foi acompanhada de responsabilização das autoridades educacionais municipais, a experiência deu certo. É essa medida que precisa ser adotada no Brasil.