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A novela da Cracolândia

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Por Redação
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A novela da Cracolândia continua a se desenrolar como sempre: as notícias ruins são muitas e as boas muito poucas, se é que, a rigor, se pode dizer que estas existem, pois parecem mais produto de interpretações otimistas dos efeitos duvidosos de medidas oficiais do que a expressão da realidade. O capítulo mais recente mostra o avanço da criminalidade naquela região, nos últimos três anos, com base em dados da Secretaria da Segurança Pública, levantados por reportagem do Estado.

Como os números relativos a dezembro de 2015 ainda não foram divulgados, consideraram-se, para efeito de comparação, as ocorrências registradas entre janeiro e novembro desde 2013 nos Distritos Policiais do Bom Retiro (2.º DP), Campos Elísios (3.º DP) e Santa Cecília (77.º DP), em cujas áreas de atuação se encontra a Cracolândia. Nesse período, o número de roubos cresceu 25,4%, saltando de 4.833 para 6.065 no ano passado.

Os índices referentes aos delitos diretamente ligados às drogas são muito piores. As ocorrências por porte de entorpecentes dispararam, com aumento de 272%. As de tráfico subiram 20,5%. Tendo em vista o esforço feito nessa região – tanto em termos de assistência aos dependentes, para recuperá-los e reduzir o consumo de drogas, como de combate ao tráfico –, era de esperar que esses índices estivessem em baixa, em níveis inferiores aos do restante da cidade.

As posições adotadas tanto pela Prefeitura como pelo governo do Estado diante desse quadro demonstram, ambas, a clara intenção de fugir do problema, em vez de enfrentá-lo, que é o que espera a população, especialmente os moradores da região. Alega a Prefeitura que, comparando 2015 com os dois anos anteriores, as estatísticas da Secretaria da Segurança indicam que houve uma redução de 33% dos furtos a pessoas, de 9% dos furtos de veículos, de 16% dos roubos a pessoas e de 40% dos roubos de veículos nas 14 ruas que formam a área de atuação de seu programa De Braços Abertos.

A não ser para traçar quadro favorável – e enganador – desse programa, não faz o menor sentido considerá-lo isoladamente, pois ele é parte integrante da área maior da Cracolândia e de suas adjacências. Está certo o presidente do Conselho de Segurança (Conseg) de Santa Cecília, Fábio Fortes, quando diz que os crimes aumentaram por causa da expansão da Cracolândia para bairros vizinhos, entre os quais o seu. É isso que mostram as ocorrências daqueles três Distritos Policiais.

Igualmente procedentes são as considerações de Cid Vieira, criador e ex-presidente da Comissão de Drogas da Ordem dos Advogados do Brasil, seção de São Paulo, a respeito do aumento da criminalidade na região. A seu ver o problema se deve tanto à dificuldade do governo do Estado em combater o tráfico na Cracolândia como ao pagamento de R$ 15,00 por dia para os participantes do De Braços Abertos por serviços de limpeza – além de hospedagem, alimentação e cursos profissionalizantes –, tudo isso sem a obrigação de abandonar as drogas.

“Se você tem o usuário com um pouquinho de recurso (do programa), o traficante vai lá na Cracolândia para oferecer (droga). Vai aumentar a oferta e vai facilitar para o pequeno traficante”, diz ele. Isto é muito mais plausível do que a afirmação da Prefeitura – com base na palavra dos dependentes, note-se bem – de que o consumo dos participantes do programa diminuiu: “Cerca de 70% a 80% relatam a diminuição do consumo da droga”. Salta aos olhos a falsidade desse testemunho.

Diz o governo do Estado, por sua vez, que o combate ao tráfico é “ininterrupto” na região e que as operações da Polícia Militar dobraram em 2015 em comparação com 2014 – de 749 para 1.465 ações. As próprias estatísticas oficiais mostram que esse esforço não está à altura – longe disso – do desafio do combate às drogas ali.

Está mais do que na hora de a Prefeitura e o governo do Estado – ressalvada a boa qualidade de seu programa Recomeço de assistência aos dependentes – reverem sua maneira de enfrentar o problema e conjugar melhor seus esforços.