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A novela da inspeção veicular

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Por Redação
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Quando o prefeito Fernando Haddad tenta mudar as regras da inspeção veicular ambiental, ele se complica. Acerta apenas quando recua de suas infelizes promessas de campanha a respeito e preserva o que já vem sendo feito. O envio à Câmara Municipal de projeto de lei sobre a matéria e a tentativa de envolver o governo do Estado na questão deixam isso mais uma vez evidente. A cidade e o próprio prefeito sairiam ganhando se ele deixasse de lado essa teimosia e cuidasse tão somente de aperfeiçoar a inspeção. O fato de ela ter sido iniciada no governo passado não deve, por si só, torná-la objeto de tanta má vontade. Afinal, isto não a impediu de obter o apoio de ambientalistas de várias colorações.O projeto autoriza a devolução aos proprietários de veículos que passaram pela inspeção da taxa de R$ 47,44 que pagaram por ela. O cumprimento dessa que foi uma das principais promessas de Haddad custará à Prefeitura cerca de R$ 180 milhões, que poderiam ter melhor destinação. Quem for reprovado não terá direito à devolução. O mesmo acontecerá com quem tem débitos com a Prefeitura. Neste caso - não custa lembrar -, Haddad segue princípio estabelecido em 2009 por Kassab. Proprietário com licenciamento e IPVA atrasados, multa de trânsito não paga e nome na dívida ativa não recebia a taxa de volta.Em relação a dois pontos importantes - as promessas de tornar a inspeção obrigatória só a cada dois anos (atualmente ela é anual) e apenas para veículos com cinco anos ou mais de fabricação - o prefeito voltou atrás. Fez um barulho inútil em torno dessas questões e acabou cedendo à pressão dos ambientalistas.O momento de sensatez que o levou a esse recuo não durou o suficiente para impedi-lo de propor uma medida polêmica - obrigar proprietários de veículos de outras cidades que circulam pela capital mais de 120 dias por ano a submetê-los à inspeção ambiental e pagar a respectiva taxa, sem reembolso. O caso desses veículos parece ter virado uma ideia fixa do prefeito e seus auxiliares, que elaboraram complicadas explicações para justificar a adoção da medida, a ser implementada no próximo ano."Nosso objetivo é estancar a sangria de R$ 1 bilhão em perdas, por causa do IPVA de pessoas que moram aqui e passaram a licenciar os carros fora, para escapar da inspeção. Isso está criando um desequilíbrio econômico na cidade", afirma o prefeito. Onde estão os estudos que mostram a existência dessa "sangria" e desse "desequilíbrio" e que dão motivos a Haddad para empregar um tom alarmista como esse para tratar do problema?É preciso divulgar tais estudos, porque não parece razoável que proprietários em número suficiente para acarretar prejuízo de R$ l bilhão tenham se dado ao trabalho de licenciar seus carros em cidades vizinhas. Outro ponto controvertido dessa proposta refere-se à forma de identificar esses veículos. Segundo o prefeito, isto será feito pelos radares que flagram os motoristas que desrespeitam o rodízio. O mínimo que se pode dizer é que não será nem um pouco fácil montar a operação para detectar tais veículos, contar quantos dias cada um circula pela cidade e depois localizar e intimar seus proprietários a fazer a inspeção.O próprio prefeito não parece tão seguro assim da viabilidade de tal operação. É o que se pode deduzir de sua decisão de buscar o apoio do governador Geraldo Alckmin para a aprovação de lei que torne obrigatória a inspeção em todo o Estado, ou pelo menos na região metropolitana. Isso resolveria de forma simples o problema dos que fogem da inspeção na capital.Alckmin, como era de prever, disse achar a ideia correta, pois "o veículo de fora que passa quase meio ano aqui é um veículo praticamente de São Paulo". Lembrou que há na Assembleia Legislativa projeto de lei em tramitação desde 2009 que trata desse assunto. Provavelmente ele vai continuar tramitando no mesmo ritmo. Como Alckmin não deve ter razões para ajudar Haddad a sair da encrenca em que se meteu, o melhor que o prefeito tem a fazer é deixar de ter ideias originais sobre a inspeção.