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A ocupação da Cantareira

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Por Redação
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As regras para novas construções são rígidas, a demora na avaliação dos pedidos é interminável e a fiscalização é quase inexistente na Serra da Cantareira. O resultado disso só poderia ser mesmo, como está acontecendo, a proliferação tanto de casebres como de empreendimentos sofisticados e loteamentos clandestinos nessa área de preservação ambiental. Há 16 anos, a serra foi declarada Patrimônio da Humanidade pela Unesco por abrigar o Parque Estadual da Cantareira, hoje a maior floresta urbana do mundo, que se espalha pelos municípios de São Paulo, Mairiporã, Caieiras e Guarulhos. A sua preservação também se impõe por causa dos reservatórios existentes na região, de onde sai a água que abastece mais de 9 milhões de pessoas na Grande São Paulo. Embora ela seja o principal trecho do chamado cinturão verde da região metropolitana, suas franjas já foram invadidas pela mancha urbana. Do total de lotes irregulares existentes na capital (aproximadamente 450 mil), que abrigam perto de 2 milhões de pessoas, 30% estão na área montanhosa da Cantareira. A prefeitura de Mairiporã - município que tem 80% do seu perímetro em área de preservação e, por isso, oficialmente congelado para novas construções desde 1976 - e o Grupo de Atuação Especial de Defesa do Meio Ambiente (Gaema), do Ministério Público Estadual (MPE), querem que o governo municipal tenha autonomia para licenciar e fiscalizar novas construções, com o apoio da Polícia Militar Ambiental, por meio da Operação Delegada. Seria justo, tendo em vista que a cidade se tornou destino de migrantes, de boa parte dos inquilinos de São Paulo que não conseguem acompanhar a valorização dos aluguéis e de quem busca melhor qualidade de vida. Mas para fazer face a essa situação seria necessária uma estrutura, de que nenhum município dispõe, tanto para a avaliação dos pedidos de novas construções como para a sua fiscalização. Mesmo a capital, a mais rica cidade do País, nunca conseguiu adotar e fazer respeitar leis de ocupação do solo destinadas a assegurar uma efetiva proteção ao meio ambiente. O distrito da Brasilândia, por exemplo, com 96 favelas espalhadas por seus 14 quilômetros, tem uma das maiores áreas invadidas na franja da Serra da Cantareira. Entre 1991 e 2000, 20 mil novos habitantes chegaram ali, provocando o desmatamento de uma área de 23 hectares. Entre 2000 e 2010, outros 30 mil novos habitantes chegaram lá e o desmatamento avançou mais 8 hectares. Há quatro anos, um estudo do Instituto de Pesquisas Espaciais (Inpe) apontou a perda de 52 hectares, num raio de 10 quilômetros no entorno do Parque Estadual da Cantareira - 28 deles no município de Mairiporã. O avanço, segundo a prefeitura dessa cidade e o MPE, é resultado, em grande parte, da burocracia do governo estadual e da falta de vigilância sobre as áreas protegidas. A Companhia Ambiental de São Paulo (Cetesb), responsável pela liberação e fiscalização de construções no município, autorizou nos últimos oito anos cinco novos condomínios na cidade, de um total de oito solicitações.Esses números são muito pequenos, se comparados com a grande expansão da mancha urbana na mata. Mansões de veraneio, casebres e estabelecimentos comerciais vêm surgindo ali rapidamente e em grande quantidade, ante a indiferença do poder público. Mairiporã já teme um novo avanço de migrantes em consequência das obras do Trecho Norte do Rodoanel. Centenas de famílias perderão as suas casas construídas na faixa que será tomada pela nova via. Como as indenizações que receberão devem ser pequenas, elas acabarão construindo casebres em outras áreas de risco ou de preservação. A solução para o problema é Mairiporã, São Paulo, Caieiras e Guarulhos criarem urgentemente, junto com o governo estadual, novas regras para disciplinar a ocupação do solo, novas políticas habitacionais, acionando uma fiscalização mais rigorosa. Caso contrário, as invasões continuarão.