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A OMC e a ameaça de Trump

Uma das consequências do protecionismo será a elevação de custos e de preços, com desperdício de recursos e piora dos padrões de consumo. Alguns ganharão, mas o conjunto da economia norte-americana sairá perdendo

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Por Redação
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Reeleito para comandar a Organização Mundial do Comércio (OMC), o diplomata brasileiro Roberto Azevêdo deverá enfrentar no segundo mandato o desafio de impedir a implosão do sistema multilateral, ameaçado pelos planos do presidente americano Donald Trump. A realização mais notável do mandato inicial foi o primeiro acordo geral concluído desde o nascimento da organização, em 1.º de janeiro de 1995. Ratificado por mais de dois terços dos 164 membros da entidade, o Acordo de Facilitação de Comércio, assinado em 2013 na reunião ministerial de Bali, entrou em vigor no dia 22 de fevereiro. A reeleição do diretor-geral, candidato único, foi aprovada pelo conselho da OMC no dia 28.

A aprovação do Acordo de Facilitação de Comércio, um passo importante para simplificar os procedimentos de importação e exportação, revigorou a OMC e abriu a perspectiva de passos mais ambiciosos de ordenação das trocas internacionais de bens e serviços. Iniciada em 2001, a Rodada Doha de negociações comerciais perdeu impulso logo nos primeiros anos e nenhum esforço foi suficiente para salvá-la. O Acordo de Facilitação de Comércio foi a solução encontrada – e cuidadosamente negociada sob a liderança de Roberto Azevêdo – para fortalecer a OMC como o grande fórum de regulação do mercado global.

Com a implementação completa do acordo, haverá em média um corte de 14,3% nos custos comerciais dos países-membros da OMC, de acordo com estudo da entidade. A redução de custos e a simplificação de procedimentos abrirão espaço para mais empresas participarem das trocas internacionais, com benefícios principalmente para as economias em desenvolvimento. Pelas estimativas da OMC, as mudanças permitirão um acréscimo anual de até US$ 1 trilhão ao comércio.

As trocas internacionais foram o principal motor da economia mundial desde as décadas finais do século passado até a crise iniciada em 2008. A expansão do comércio foi um componente fundamental de uma nova economia, caracterizada em boa parte pela formação de grandes cadeias internacionais de valor. Nunca, em toda a história, os sistemas produtivos foram tão integrados. Não se tratou mais, nessa nova composição do sistema produtivo, apenas da velha relação entre fornecedores de matérias-primas e produtores de bens industrializados. As cadeias de produção passaram a incluir transações com insumos e bens intermediários obtidos com todos os níveis de tecnologia. A montagem final de um avião, por exemplo, pode envolver componentes igualmente sofisticados provenientes de diferentes países.

A inclusão de um número crescente de economias no sistema geral de regras permitiu criar uma base de referência para todos os mercados, mesmo nas transações entre membros de acordos bilaterais, regionais ou inter-regionais.

Essa disciplina, fundamental para a segurança das trocas e a igualdade legal entre as partes, será minada, se o presidente Donald Trump conseguir, com apoio do Congresso norte-americano, cumprir as promessas de administrar o comércio de seu país segundo critérios próprios, sem atender às normas da OMC. Se essa orientação prevalecer na cúpula do governo dos EUA, toda a ordem multilateral de comércio será ameaçada. Nesse caso, atos de força e de retaliação poderão multiplicar-se, com enorme prejuízo para todos os países.

Os Estados Unidos estarão entre os grandes prejudicados. A economia americana é a segunda maior exportadora mundial (atrás da China) e a maior importadora de bens de todos os tipos. Além disso, é a terceira maior importadora de bens intermediários, destinados à geração de produtos finais. Uma das consequências do protecionismo será a elevação de custos e de preços, com desperdício de recursos e piora dos padrões de consumo. Alguns ganharão, mas o conjunto da economia norte-americana sairá perdendo. Se conseguir executar a política prometida, Donald Trump será um desastre para todos os países. Mobilizar forças para evitar esse estrago será uma complicada tarefa para o diretor-geral da OMC.