02 de outubro de 2014 | 02h05
Antes da tragédia do Boqueirão, em Santos, onde caiu o jatinho que transportava o ex-governador de Pernambuco, à época detentor de modestos 10% das intenções de voto apuradas nos levantamentos, ninguém deixaria de apostar o seu último centavo na ida do tucano Aécio Neves para o tira-teima com a petista em busca da reeleição. Embora em nenhum momento o senador mineiro tivesse a exibir um opulento embornal de votos potenciais, o cenário mais provável era de que arregimentaria notas suficientes para "passar de ano", com o que o turno decisivo não seria apenas um plebiscito convencional sobre continuidade ou mudança, mas um embate entre petismo e antipetismo, como tem sido desde 1994. "A velha política", diria Marina.
O advento da sua candidatura pôs esse cenário de ponta-cabeça: ela não só parecia ter remetido Aécio para o limbo da irrelevância, como ainda surgia nas vestes de futura presidente: na virada de agosto para setembro, tanto o Ibope como o Datafolha lhe davam sete pontos de vantagem sobre Dilma no mata-mata. Nada mais esperado, portanto, que os rivais a elegessem como alvo preferencial de seus ataques. Despreparada, destituída de condições para governar, candidata dos banqueiros, indiferente ao pré-sal e reticente sobre os programas sociais do PT - e, paradoxalmente, petista que perdeu o pelo, mas não perdeu o vício - foram as rajadas mais contundentes lançadas contra ela para, conforme o eufemismo da temporada, "desconstruir" a sua imagem. No centro do fogo cruzado, deu uma contribuição depois da outra para a erosão de sua confortável liderança nas pesquisas.
O primeiro tiro no pé foi a imediata retirada do seu programa, por pressão de um popular televangelista, da defesa do casamento gay e da criminalização da homofobia. Depois, ela foi pilhada pelo menos duas vezes reescrevendo sua biografia: primeiro, ao negar que tenha sido contra os transgênicos, propondo apenas a sua segregação dos cultivos convencionais; segundo, ao afirmar que, senadora, votara a favor da CPMF, o imposto do cheque. Em menos tempo do que levou para Dilma acusá-la de "desvio de caráter", apurou-se, preto no branco, que Marina chegara a invocar a Bíblia para execrar os transgênicos por princípio e votara quatro vezes contra a CPMF. O problema nem é de mérito: ela estava errada em relação à biotecnologia e certa quanto ao imposto. O que não poderia era adaptar o passado às conveniências eleitorais do presente.
As investidas dos adversários e o desgaste da sua credibilidade numa campanha cuja duração jogou contra ela criaram as condições para a liquefação de seu prestígio. Em setembro, enquanto Dilma e Aécio recuperavam terreno, Marina perdeu quase 10 pontos. Eleitores apartados do tucano voltaram ao ninho graças à insistente exposição do passado petista da professada guardiã da ética, que não deu um pio contra o mensalão protagonizado por seus companheiros. O resultado é que, com o vento contra, ela terá de correr para ficar onde está - cinco pontos apenas à frente de Aécio. As guinadas na montanha-russa das sondagens parecem ter produzido outra consequência: a reeleição de Dilma no primeiro turno, que parecia ter ido parar na lata de lixo das certezas caídas em desgraça, voltou a ser, se não provável, possível, com o estreitamento da diferença entre as intenções de voto na presidente (da ordem de 40%) e em todos os outros candidatos (48%). Em quatro dias se saberá.
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