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A paixão de José Dirceu

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Por Redação
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José Dirceu, protagonista dos maiores escândalos da história brasileira, o mensalão e o petrolão, admitiu seus “pecados” perante o juiz Sergio Moro. Foi o que disse o advogado do petista, Roberto Podval, que parecia falar não de um criminoso já condenado por corrupção, e sim de um quase santo, um homem que, penitenciando-se de seus pecados veniais, espera expiar esses erros para ter lugar no reino dos céus, ao lado dos justos. Já os falsos amigos, que segundo o advogado ganharam muito dinheiro à custa da boa-fé de Dirceu, estes certamente haverão de arder no inferno.

A versão hagiográfica do depoimento de Dirceu a Moro dá a exata medida do escárnio petista em relação à inteligência alheia. A defesa do outrora poderoso ministro do governo Lula quer fazer o País acreditar que Dirceu, o puro, só aceitou favores de lobistas em razão de laços de amizade, e nada mais.

Pode-se dizer que já foi um notável avanço o fato de que José Dirceu tenha confessado que a reforma de uma casa e de um apartamento de sua propriedade foi bancada por um dos lobistas envolvidos no escândalo da Petrobrás. Trata-se de Milton Pascowitch, que, em delação premiada, disse que pagou propina a Dirceu e ao PT para garantir contratos da Petrobrás com a empreiteira Engevix.

Em sua fantástica versão, porém, Dirceu disse a Moro, segundo seu advogado, que “isso (a reforma dos imóveis) era uma coisa minha com o Milton, eu iria pagar o Milton”. Ou seja, o petista classificou o generoso favor do lobista como um gesto fraterno, que seria devidamente pago no futuro.

No entanto, segundo o advogado de Dirceu, Milton Pascowitch “se aproveitou da situação e ‘vendeu’ o Zé” – uma forma de dizer que o lobista explorou a amizade com o petista para fazer suas traficâncias. Como se essa desfaçatez não bastasse, a defesa de Dirceu sustentou que ele é vítima de oportunistas como Pascowitch: “O Zé sempre permitiu ser usado por terceiros que ganharam milhões à custa do Zé. Estão rindo aí, andando por aí, e o Zé preso. É ridículo”.

Como sócio fundador do lulopetismo que é, José Dirceu realmente acha que os brasileiros somos todos rematados cretinos, a ponto de crermos que um homem com sua história – que, entre outras proezas, foi capaz de mentir até mesmo para sua mulher a respeito de sua identidade quando voltou ao Brasil de seu exílio em Cuba, nos anos 70 – seria ingênuo o bastante para cair na lábia de falsos amigos.

Esse comportamento farsesco de Dirceu é recorrente. Flagrado enquanto ajudava a construir um colossal esquema de corrupção que dilapidou o Estado ao longo da última década, o petista se fez passar por vítima de perseguição política e ganhou a alcunha de “guerreiro do povo brasileiro”. Nessa condição, mesmo tendo recebido milhões em propinas disfarçadas de serviços de consultoria, Dirceu aceitou que seus apoiadores se cotizassem para pagar as multas do mensalão.

Agora, ele se traveste de mártir, traído por inescrupulosos lobistas. Depois de admitir ao juiz Sérgio Moro que ganhou R$ 40 milhões nas tais “consultorias”, o petista disse que tem tido “muitas despesas” e, por isso, ficou sem dinheiro para pagar a reforma de seus imóveis – razão pela qual, segundo sugeriu sua defesa, teve de aceitar o dinheiro dos tais “amigos”.

Esses mesmos “amigos”, informou Dirceu, também cederam jatinhos para o deslocamento do petista. E não foi algo ocasional. Com naturalidade impudica, o próprio petista disse que viajou em aviões de lobistas “a vida inteira”, como se isso não fosse evidência de tráfico de influência. Somente entre 2010 e 2011, Dirceu teria viajado 113 vezes em jatinhos oferecidos por outro lobista, Júlio Camargo.

Mais uma vez, porém, Dirceu foi apresentado por seu advogado como vítima, de cuja candura pérfidos criminosos se aproveitaram: “Até então era bacana ser amigo do Zé Dirceu. Era bacana oferecer o avião para o Zé Dirceu. Claro, nas costas dele estavam ganhando dinheiro em cima disso”.

A prevalecer a narrativa de Dirceu, o País lhe deve um altar.