
18 de agosto de 2015 | 03h00
Sofrendo de insuportável síndrome de abstinência corruptiva, a estatal encarregou o deputado do PT Vicente Cândido de apresentar projeto na Câmara alterando a Lei Anticorrupção para permitir que as 29 empreiteiras e fornecedoras protagonistas do petrolão voltem a contratar com a Petrobrás e com todos os entes públicos federais.
A história é a seguinte: a auditora externa da Petrobrás – uma das quatro grandes – exigiu, com base na lei americana a que está vinculada – Foreign Corrupt Practices Act (FCPA) – que a estatal inabilitasse aquelas 29 empresas, impedindo-as de celebrar novos contratos, sob pena de não certificar mais seus esquálidos balanços. Constrangida na época, a Petrobrás cedeu a tal exigência.
Mas agora fica evidente que o fez contrariamente à sua persistente “política” de dar sustentação a esse seleto grupo de empresas que surrupiaram diretamente de seu caixa a insignificante quantia de R$ 6,2 bilhões e causaram uma perda de investimentos, mediante todo tipo de irregularidade de execução de obras e fornecimentos, no montante de R$ 88 bilhões. Não importa: nós, os diretores atuais da Petrobrás, queremos de volta as empreiteiras corruptas já! A desfaçatez da administração atual da estatal é explícita, conforme se vê das declarações textuais do seu assessor especial de relações governamentais (!), sr. Armando Toledo: “A Petrobrás tem interesse, sim, de separar o CNPJ do CPF. Liberar as empresas para voltarem a ser contratadas. Há uma preocupação em resolver isso o mais rápido possível” (Estado, 16/8/2015).
E o projeto de lei, cujo relator é o deputado Valtenir Pereira (Pros-MT), tem o apoio unânime da bancada do PT e dos partidos da base. O projeto de lei isenta as empreiteiras de qualquer multa e permite que elas voltem imediatamente a contratar com a Petrobrás e com todos os demais órgãos governamentais. Para tanto não apenas destrói a própria razão de ser da Lei Anticorrupção, como também altera a Lei de Improbidade Administrativa. E não fica por aí esse projeto de restauração plena do esquema de roubalheira: terá ele efeito retroativo, beneficiando as empreiteiras que estão sendo processadas a pedido do Ministério Público.
O esquema sistêmico da corrupção não para e não pode parar. Enquanto se processava e julgava o mensalão, o esquema criminoso do petrolão funcionava a pleno vapor. Enquanto ora se investiga e se processa no âmbito da Operação Lava Jato, o governo, suas estatais, sua base aliada no Congresso e respectivos partidos restauram, nas nossas barbas, todo o esquema que, para eles, está apenas desorganizado e, por isso exige a aprovação até o fim de agosto da “reforma” das Leis Anticorrupção e de Improbidade Administrativa.
A desculpa para esse projeto de lei, que é um verdadeiro corpo de delito – pasmem novamente! –, é dar segurança jurídica (sic) às empreiteiras de que não serão inabilitadas. Ao contrário, serão para sempre reabilitadas para contratarem com a Petrobrás, desde que assinem simulacros de acordo de leniência e se comprometam a adotar – pro forma – um regime de compliance! A razão apresentada pela Petrobrás ao minutar e promover esse famigerado projeto de lei é a de que as empresas corruptoras detêm uma “tecnologia imprescindível” para a contratação de novas obras na depauperada estatal. Não pode haver mentira maior. A Petrobrás detém inteiramente a tecnologia de prospecção, de plataformas e também de refinarias, pois foi ela que sempre fez as obras, por meio de seu departamento de engenharia, desde os anos 1950. E assim ocorria até que resolveu entregar tais serviços às empreiteiras, mediante cartas-convite e falsas licitações, a partir de 2003. O objetivo é que o projeto de lei tenha tramitação urgentíssima, devendo ser terminativamente aprovado até o fim deste mês de agosto nas Comissões de Finanças e de Constituição e Justiça, conforme permite o regimento da Casa, sem passar pelo plenário. Essa manobra se coloca no quadro geral do próprio governo, que não se conforma com a Operação Lava Jato – à qual a presidente da República atribui a crise econômica – e não admite, de forma alguma, que seja aplicada a Lei Anticorrupção.
Promulgada a Lei Anticorrupção há dois anos, nunca a CGU abriu sequer um devido processo administrativo contra as pessoas jurídicas que operam o esquema de corrupção. Atém-se esse órgão “correcional” do governo a sindicâncias sigilosas para verificar – novamente pasmem! – se tais empresas praticaram o delito de corrupção.
A força-tarefa da Operação Lava Jato já reagiu à tentativa de restauração do esquema promovido pela Petrobrás por intermédio desse caviloso anteprojeto. A cidadania quer saber qual conduta imediatamente adotará a oposição diante dessa barbaridade legislativa pró-corrupção. Enquanto nas ruas o povo grita “basta de corrupção”, o Congresso Nacional responde: “corrupção já e sempre!”. O governo lulopetista e sua estatal restauram os mecanismos legislativos necessários para a imediata retomada do esquema corruptivo, com a plena reabilitação de seus protagonistas. Somos governados por uma gangue. Que Deus se apiede deste país.
*Modesto Carvalhosa - jurista, é autor, dentre outros livros, de 'considerações Sobre a Lei Anticorrupção das Pessoas Jurídicas' e ‘o Livro Negro da Corrupção'
Encontrou algum erro? Entre em contato