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A pirotecnia das 'vagas vivas'

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Por Redação
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Tal como outras iniciativas suas, a mais nova invenção do prefeito Fernando Haddad - a criação das chamadas "vagas vivas" em calçadas - confirma a desagradável impressão de que ele com frequência improvisa soluções, de preferência vistosas, para problemas cuja complexidade lhe escapa. Muitas de suas propostas, sem o embasamento de estudos técnicos - se estes existem, por que nunca apareceram? -, têm por isso muito mais pirotecnia voltada para as eleições do que a seriedade e a consistência que os problemas de uma cidade como São Paulo exigem. Haddad anunciou que será feita em breve uma chamada pública para empresas que possam ter interesse em instalar deques para estender a calçada em ruas com velocidade máxima de circulação de 40 km/h. "É para as pessoas se sentarem e eventualmente abrir espaço para o comércio local, na cidade inteira, com mesas e bancos", explicou ele, que vê nessas vagas um "respiro" urbano, seja lá o que isso significa. Entusiasmado e sem a modéstia que os resultados limitados de sua administração até agora recomendam, Haddad prevê: "Vai ser um sucesso na cidade, porque há muita carência de espaço público". A seu ver, as tais vagas são tão importantes para a mobilidade e a apropriação do espaço público quanto as faixas exclusivas para ônibus.Cada projeto para a criação de "vagas vivas" será analisado pela CET e pela Secretaria de Desenvolvimento Urbano para verificar se os pontos sugeridos para a instalação dos deques, em geral feitos de madeira, prejudicam ou não o trânsito. Eles não diminuirão as faixas de rolamento, mas vão acabar com vagas de Zona Azul. Esse deve ser o principal problema criado pela brilhante ideia do prefeito.Numa cidade que sofre com a falta de vagas - sendo essa, diga-se de passagem, a principal razão para os preços exorbitantes dos estacionamentos -, é difícil de entender como uma autoridade pública possa ver com tamanha satisfação a limitação da capacidade da Zona Azul. A única explicação é a má vontade do prefeito com os carros. Que o número excessivo deles é um sério problema nas grandes cidades, ninguém contesta. A solução, todos sabem, é oferecer transporte coletivo - que por isso deve ser prioritário - de boa qualidade para atrair quem se desloca de carro. Como São Paulo não faz isso, a começar pelo serviço de ônibus de responsabilidade da Prefeitura, não tem sentido criar cada vez mais limitações aos carros - como as faixas exclusivas para ônibus subutilizadas e agora a redução da Zona Azul -, proclamando demagogicamente que a preferência é para o transporte público. O que fazer, nessa situação, com os milhões de proprietários de carros responsáveis por um terço dos deslocamentos diários da capital, que os ônibus, o Metrô e a CPTM não têm condições de absorver? A essa pergunta Haddad nunca deu resposta. Há ainda outras questões a considerar a respeito do novo e pirotécnico projeto do prefeito. É difícil de entender como se pode associar "vagas vivas" com apropriação do espaço público. Em primeiro lugar, aquele espaço já é público, tanto no caso da calçada como na parte da rua alugada a particulares por curto período no sistema da Zona Azul. Tem mais: quem está ameaçando privatizar pelo menos em parte o espaço público é justamente o prefeito, pois as "vagas vivas", como ele mesmo diz, vão "abrir espaço para o comércio local". Como não foi dito que o comércio vai pagar por isso, como seria normal, estaremos assistindo, isso sim, a uma privatização do espaço público. Haddad tem razão quando diz haver muita carência de espaço público em São Paulo. Mas esse problema não se resolve, nem mesmo se ameniza, com "vagas vivas". A solução, como qualquer um pode perceber, está, por exemplo - já que as "vagas vivas" têm a mesma vocação de lazer -, na criação de parques. Projetos para isso não faltam. Uma solução mais barata é recuperar e manter centenas de praças espalhadas pela cidade, relegadas ao abandono. Mesmo que as "vagas vivas" fossem um bom projeto, criá-las sem antes cuidar de parques e de praças não é coisa séria.