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A política antidroga da ONU

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Por Redação
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Sob pressão dos Estados Unidos, a cúpula das Nações Unidas sobre drogas, encerrada na quinta-feira em Viena, aprovou por consenso um conjunto de diretrizes para o combate internacional à produção, comércio e consumo de narcóticos que parece ignorar o fracasso continuado das respostas puramente repressivas a esse que é um dos três maiores problemas globais da atualidade, ao lado do aquecimento do planeta e da crise econômica. Em 1998, numa assembleia especial, a ONU exortou os países membros a aderir à meta de "um mundo livre da droga", com "a eliminação ou a redução significativa" da produção de ópio, cocaína e maconha até 2008, a partir de uma estratégia de erradicação do cultivo das espécies tóxicas e do emprego maciço de força policial e militar contra o narcotráfico. No decênio que se seguiu à resolução, nada daquilo aconteceu. Na melhor das hipóteses, oferta e demanda teriam se estabilizado em escala mundial, mas é certo que a produção de cocaína na América Latina aumentou. Calcula-se que a região exporta mais de 750 toneladas do pó a cada ano. Na Colômbia, só no primeiro semestre de 2008, os cartéis da coca expulsaram 270 mil camponeses de suas terras. No México, as guerras entre quadrilhas deixaram no ano passado 6.200 mortos, a corrupção nos órgãos de repressão aos traficantes também chegou a níveis sem precedentes - e as relações com os Estados Unidos se encresparam, com os mexicanos se queixando de serem tratados pelo vizinho como se fossem um "narcoEstado". Estima-se que mais de 200 milhões de pessoas, ou cerca de 5% da população adulta do globo, consumam entorpecentes. O negócio movimenta fabulosos US$ 320 bilhões por ano - oito vezes mais do que os EUA gastam no combate à sua disseminação. Cerca de 500 mil americanos vão anualmente para a cadeia por delitos envolvendo drogas. Segundo a revista britânica The Economist, que de há muito defende a sua legalização, como "o menor dos males", as tentativas de eliminar o problema pela raiz, ou seja, atacando o cultivo, seriam inócuas, porque o preço dos tóxicos é determinado antes pelo seu custo de distribuição do que de produção. E, com todas as ofensivas antidroga, uma quantidade de cocaína vendida numa rua americana ou europeia ainda rende no mínimo 100 vezes mais do que custa a sua produção. Não admira que, "em vez de reduzir a criminalidade, a proibição estimulou o banditismo numa escala jamais vista no mundo", diz a Economist. "Consideramos a guerra às drogas um fracasso porque os seus objetivos nunca foram alcançados", denuncia o ex-presidente colombiano César Gaviria, copresidente da Comissão Latino-Americana sobre Drogas e Democracia. "As políticas baseadas na erradicação, interdição e criminalização do consumo não renderam os resultados esperados. Estamos mais longe do que nunca das metas fixadas." Maior fonte mundial de cocaína, a Colômbia recebeu dos Estados Unidos nos últimos oito anos mais de US$ 6 bilhões, principalmente em ajuda militar, para a guerra ao narcótico. Mas o cultivo da coca não diminuiu, enquanto a área plantada na Bolívia e no Peru cresceu. Diante desse quadro desolador, a conferência de Viena, convocada para rever as decisões de 1998 da ONU, lançou uma meta decerto tão irrealista como a daquele ano - "minimizar ou eliminar a disponibilidade e o uso de drogas" até 2019 -, mantendo intocada a ênfase na repressão para alcançar esse objetivo. A inflexibilidade americana impediu até mesmo que a Alemanha, em nome de 25 países europeus e não europeus, conseguisse incluir, no documento final, o termo "redução de danos", que designa as políticas adotadas por vários países, entre os quais o Brasil, para lidar com as consequências do consumo de tóxicos para a saúde pública. (Por exemplo, a distribuição de seringas aos usuários de substâncias injetáveis, no quadro dos programas de prevenção da aids.) Para os Estados Unidos, a expressão afinal vetada representaria um contrabando destinado a legitimar tentativas futuras de legalização das drogas, sob a égide das Nações Unidas. Resta saber, no entanto, como poderá ser revertida a luta contra o que o narcotráfico tem de pior - o crescente poderio das máfias que o controlam - sem que se passe a encarar com mais seriedade do que até agora a alternativa da descriminação.