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A poupança com Imposto de Renda

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Por Roberto Macedo
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O governo federal anunciou na semana passada a primeira iniciativa diante do seu temor de que novas quedas da taxa básica de juros, a Selic, levem investidores de fundos de renda fixa a fugir para as cadernetas de poupança. Fariam isso porque a comparação entre os rendimentos da poupança e dos fundos, descontados dos ganhos destes as taxas de administração e o Imposto de Renda (IR), se revelaria claramente favorável à poupança a partir de um "determinado" valor da Selic, em cuja queda o mercado financeiro aposta, até porque o crupiê desse jogo, o Banco Central, vem distribuindo dicas na mesma direção. As aspas anteriores se justificam porque não se sabe bem qual o valor da Selic que levaria à fuga para a poupança. Esse temor pressupõe que os investidores são racionais, buscam o maior ganho, dispõem de todas as informações sobre suas aplicações e sabem fazer os cálculos. É a visão dominante no ensino de Economia e de Finanças, crescentemente contraditada por outra, chamada de comportamental. Esta diz que o ser humano muitas vezes não age racionalmente, entre outras razões, porque se acomoda naquilo que faz, não busca informações e procrastina decisões. As duas visões não são excludentes, pois podem se aplicar a diferentes grupos de investidores. De qualquer forma, o fato de ainda não ter havido uma busca maior da poupança, bem como declarações recentes do ministro da Fazenda sugerem que essa outra visão também merece atenção dos que seguem o assunto. Quanto ao que o governo decidiu fazer, foi criado um IR sobre os juros da poupança de pessoas físicas, a partir de 2010. As jurídicas já pagam IR, o que também está sendo desprezado nos dados e nas análises que a imprensa vem divulgando, pois muitos e grandes investidores de fundos são desse tipo. O novo IR será pago pelas pessoas físicas com saldos acima de R$ 50 mil na poupança e as alíquotas sobre os rendimentos do que exceder esse valor aumentarão à medida que a Selic cair para valores abaixo de 10,5% ao ano, conforme tabela amplamente difundida pela imprensa. De modo geral, a cobrança virá a posteriori, na declaração anual do IR, ou seja, a partir de 2011. Assim, dependerá também da alíquota da classe de rendimento em que o contribuinte se enquadrar nessa declaração. A TR, que também integra o rendimento da poupança, continuará isenta, qualquer que seja o valor do saldo. Na visão dos economistas, medida ideal e definitiva seria reduzir os próprios juros da poupança, tornando-os uma proporção da Selic, em lugar de o governo tomar parte deles com o IR. Entre outras desvantagens desse IR está o fato de que ele impede que os juros diminuam também para os tomadores de financiamentos imobiliários sustentados pela poupança, prejudicando o crescimento do setor da construção civil, que tem grande importância econômica e social. Na opção do governo, outra questão comportamental, a política, agora com peso maior num ano que antecede o de eleição presidencial, se impôs à decisão economicamente racional. A lamentar, também, que nossos políticos, da situação e da oposição, não tenham o hábito civilizado de deixar suas divergências à margem quando se trata de um objetivo comum a todos, a queda dos juros em geral, também de interesse nacional. Com razão os jornalistas reclamaram de que esse IR da poupança veio muito complicado para o cidadão comum que quiser saber qual será o rendimento líquido de sua poupança para compará-lo ao dos fundos. Isso faz lembrar uma das críticas à visão dominante, a de que o investidor é racional. Segundo essa crítica, esse investidor precisaria ter a inteligência de um Einstein, um computador na cabeça e a força de vontade de Gandhi para sempre agir dessa forma. Vários jornalistas se esforçaram em produzir tabelas comparativas, e haverá mais trabalho à frente. Entre outras razões, porque há a ideia governamental de tomar outra medida, uma que em cima da tributação da poupança reduziria a dos fundos, alterando assim as comparações já realizadas. Aliás, nesse trabalho de informar o investidor ainda há muito a fazer, principalmente por parte do governo e no caso das taxas de administração dos fundos, que os bancos insistem em não reduzir de modo significativo mesmo com a queda da Selic. A continuar assim, em algum momento ganharão mais que os investidores. Em particular, seria necessário exigir que os extratos mensais dos fundos explicitassem a taxa de administração e o respectivo valor cobrado, para tornar essa cobrança mais transparente e permitir que os cotistas percebessem o absurdo que estão pagando em vários fundos. Quando anunciou o IR da poupança, o ministro Mantega deu a entender que o dos fundos seria reduzido logo em seguida. Suas últimas declarações, entretanto, deixaram o assunto em suspenso. Além disso, conforme noticiou ontem este jornal, a equipe da Fazenda recomendou ao seu ministro só fazer essa redução se for detectado o temido movimento dos fundos para a poupança, o que até agora não ocorreu. A propósito, é o caso de perguntar a essa equipe por que a tributação da poupança veio mesmo sem esse movimento (a Selic atual é de 10,25% ao ano e a tabela veio com o IR já para um valor abaixo de 10,50%). A mesma matéria diz também que nos fundos mais populares, que pagam uma proporção menor da Selic e têm taxas administração elevadas, há investidores que têm prejuízo relativamente à poupança. Ora, como permanecem nos fundos, a visão comportamental parece aplicar-se ao seu caso. E, ainda, uma visão do mesmo tipo parece dominar também a equipe da Fazenda, que, em lugar de propor alterações do IR para evitar a saída dos fundos, agora quer se pautar pelo comportamento dos investidores para defini-las. Roberto Macedo, economista (USP e Harvard), professor associado à Faap, é vice-presidente da Associação Comercial de São Paulo