EXCLUSIVO PARA ASSINANTES
Foto do(a) coluna

O jornalista Rolf Kuntz escreve quinzenalmente na seção Espaço Aberto

Opinião|A presidente se afunda enganando a si mesma

Foto do author Rolf Kuntz
Atualização:

Mentir para os outros pode ser pecado. Pode também ser crime, em algumas circunstâncias. Mentir para si mesmo é insânia. Os brasileiros, têm, portanto, mais um sério motivo para se inquietar. O governo, tudo parece indicar, mente para si mesmo e continuará mentindo para se isolar da realidade. É muito difícil explicar de outra forma a reação da presidente Dilma Rousseff e de sua equipe às manifestações de rua e ao tsunami de más notícias. O governo tentou, mas como deslocar os problemas para o Congresso, quando até fontes oficiais continuam despejando informações assustadoras sobre a economia? Até os aliados, a começar pelo vice-presidente Michel Temer, têm resistido à manobra, Mesmo sem essa resistência, a situação desastrosa do País continuaria atraindo as atenções.O Banco Central (BC), uma das fontes oficiais, diminuiu de 3,1% para 2,7% o crescimento econômico projetado para o ano, além de reduzir de US$ 15 bilhões para US$ 7 bilhões o saldo comercial estimado. A Confederação Nacional da Indústria (CNI) reestimou de 3,2% para 2% a expansão do produto interno bruto (PIB). Na semana passada estava em 2,4% a mediana das projeções do mercado financeiro. Não só as bolas de cristal mostram cenários tenebrosos. Os dados já conhecidos alimentam no dia a dia as previsões negativas.Um bom exemplo: a produção industrial caiu 2% de abril para maio, depois de modesta recuperação nos meses anteriores, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O saldo comercial do trimestre foi um déficit de US$ 3 bilhões, de acordo com o Ministério do Desenvolvimento. Mas o número seria bem pior sem as exportações fictícias de plataformas de petróleo no valor de US$ 2,4 bilhões.A inflação continua elevada e especialistas apontam um resultado próximo de 6% até o fim do ano. A desinflação dos alimentos acabou e o custo das matérias-primas poderá em breve pressionar de novo os preços ao consumidor.Em junho, o índice oficial de inflação, o IPCA, calculado pelo IBGE, perdeu impulso e subiu 0,26%, principalmente por causa da menor pressão dos preços dos alimentos. Mas no atacado os preços agrícolas aumentaram 1,46%, depois de recuarem 0,75% em maio, de acordo com a Fundação Getúlio Vargas (FGV). Também no atacado a alta dos preços industriais chegou a 0,62%. Ainda em junho, o índice de commodities do BC, o IC-Br, subiu 5,34%, com variação de 5,72% para agropecuária, 4,3% para metais e 4,39% para energia.O repasse desses aumentos ao varejo dependerá de fatores como o nível de emprego, a renda e a disposição dos consumidores, a possibilidade de substituição de bens, as condições do crédito e, naturalmente, a situação das contas públicas. Os consumidores andam mais ressabiados e cautelosos. Mas o emprego permanece elevado, os salários ainda acumulam ganhos reais, embora menores que os dos últimos anos, o crédito ainda aumenta e a política fiscal permanece, como afirma o pessoal do BC, "expansionista".Nas ruas, manifestantes protestaram contra as tarifas e a qualidade do transporte urbano e cobraram melhores padrões de serviços essenciais, como educação e assistência à saúde. Diante dessas pressões a presidente propôs um plebiscito fora de hora, sobre temas políticos, e convocou os ministros para exigir maior empenho na execução de seus programas - os mesmos programas condenados nas ruas pela baixíssima qualidade de seus resultados.Os ministros da área econômica estavam prontos, como sempre, para esse tipo de jogo. Afinal, continuam prometendo mais do mesmo - uma péssima gestão das finanças públicas, mal disfarçada com novos lances de contabilidade criativa, já famosa até na imprensa estrangeira. A quem pensam enganar? Só podem enganar a si mesmos, é claro, porque até os muito trouxas acabam percebendo, embora com algum atraso, os sinais do desarranjo.A presidente, dizem fontes de Brasília, está isolada. De certa forma, sempre esteve. Desde o começo de seu mandato cercou-se de assessores incapazes - por incompetência ou por falta de coragem - de ajudá-la a examinar os fatos e a planejar as ações de governo com base em diagnósticos realistas.A maior parte de sua política administrativa e econômica é mero desdobramento da herança deixada por Luiz Inácio Lula da Silva. Nenhuma alteração essencial ocorreu na diplomacia econômica. Na prática, as prioridades têm sido as mesmas. O País continua amarrado ao mundo estreito e medíocre do Mercosul. Enquanto isso, negociam-se novas alianças e novas perspectivas de comércio e integração econômica são abertas em quase todas as regiões, incluída a América Latina. A Aliança do Pacífico é um bom exemplo.A administração continua tão ineficiente quanto na fase do antecessor, quando o Brasil foi arrastado pela prosperidade mundial e o País pareceu tornar-se uma potência de peso. A grande novidade, naquele período, foi a rápida incorporação de massas ao mercado consumidor. Como nada se fez para modernizar o País e fortalecer sua capacidade produtiva, a mágica da expansão do mercado se esgotou. A dramática perda de produtividade geral da economia deixou o País desarmado para enfrentar a concorrência estrangeira.Os resultados são evidentes nas contas externas, mesmo com algum disfarce. Aparentemente sem perceber esses fatos, a presidente insistiu numa política baseada principalmente no estímulo ao consumo. O resultado foi uma combinação de piora das contas fiscais, erosão do balanço de pagamentos, inflação sempre alta e indústria estagnada. Na administração federal, direta e indireta. aparelhamento e loteamento continuam predominando. Vai-se consertar tudo isso com um plebiscito improvisado?

Opinião por Rolf Kuntz

Jornalista

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.