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A quem cabe governar a cidade

O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) manteve a decisão que liberou o aumento dos limites de velocidade nas marginais, reconhecendo que se trata de matéria da competência da Prefeitura

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Por Redação
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O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), por sua 13.ª Câmara de Direito Público, manteve a decisão que liberou o aumento dos limites de velocidade nas Marginais do Tietê e do Pinheiros, reconhecendo que se trata de matéria da competência da Prefeitura. Mais do que simples questão formal, a decisão do TJSP é um significativo respeito às esferas institucionais e, em última análise, ao resultado das eleições municipais. É o voto dos paulistanos que deve decidir quem governa a cidade.

O caso remete à decisão liminar, obtida em janeiro pela Associação de Ciclistas Urbanos de São Paulo (Ciclocidade), de impedir o aumento das velocidades nas marginais. Tratava-se de uma indevida intromissão de uma agremiação em assunto que não lhe dizia respeito, mas que encontrou guarida em juízo. O juiz da 4.ª Vara da Fazenda Pública de São Paulo entendeu que a ampliação dos limites de velocidade nas marginais ocasionaria suposto retrocesso social e, portanto, a gestão do prefeito João Doria não poderia implantar o tal aumento, que era uma promessa de campanha.

No recurso contra a decisão do juiz de primeira instância, o Município de São Paulo e a Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) conseguiram uma liminar da desembargadora Flora Maria Nesi Tossi Silva, liberando o aumento dos limites de velocidade nas duas vias marginais. A mudança ocorreu no dia 25 de janeiro. Na quarta-feira passada, a 13.ª Câmara de Direito Público confirmou a decisão da desembargadora.

Ao explicar a decisão, a relatora do recurso transcreveu trecho de sua liminar, proferida no início do ano. “O art. 30, I, da Constituição Federal de 1988 confere ao Município a competência sobre assuntos de interesse local, dentre eles, legislar sobre a ordenação no trânsito urbano. Por sua vez, o art. 182 também da Constituição prevê que compete ao Município estabelecer a política de desenvolvimento urbano com o objetivo de ordenar o pleno objetivo das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes.”

A referência ao fundamento constitucional da competência do Município para legislar sobre o trânsito urbano é de extrema importância, pois evidencia que esse tipo de ação judicial, que tenta transferir ao Judiciário decisões que competem ao Executivo, fere a Constituição. É um contrassenso postular que supostos princípios constitucionais – como o da vedação do retrocesso social, que, sem constar do texto da Constituição, é criação interpretativa questionável, tratando o progresso social como um inexorável processo linear e contínuo – devam prevalecer sobre norma explícita aprovada pela Assembleia Constituinte, como é a competência do ente municipal.

A decisão da 13.ª Câmara de Direito Público enfrenta ainda outra questão frequentemente esquecida em decisões judiciais: a complexidade das políticas públicas. Ao proibir liminarmente o aumento dos limites de velocidade das marginais, o juiz da 4.ª Vara da Fazenda Pública citou a Lei 12.587/2012 (Lei de Mobilidade Urbana), que lista, entre os deveres do poder público, a segurança nos deslocamentos das pessoas. Em seu raciocínio, se a prefeitura deve zelar pela segurança dos cidadãos, ela não pode aumentar a velocidade no trânsito.

O TJSP lembra que a segurança nos deslocamentos envolve outros aspectos além dos limites de velocidade. Não se pode aferir – lê-se na decisão – “a pertinência ou não de implantação de programa de governo referente à segurança e fluidez de trânsito, apenas com base no elemento denominado redução das velocidades nas marginais”.

O Poder Judiciário deve se ater à análise da legalidade do ato administrativo. “Não é admissível que o controle jurisdicional (...) passe a se prestar a analisar eventual eficácia da política pública em questão, antes mesmo de implantada.” Justamente pela complexidade das políticas públicas, o cidadão é chamado a escolher, de quatro em quatro anos, quem governará a cidade. É indispensável preservar esse direito de escolha.