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A reaparição de Berlusconi

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Por Redação
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O ex-primeiro-ministro Sílvio Berlusconi, o político mais desmoralizado da Itália contemporânea, parecia politicamente liquidado depois de três mandatos marcados por denúncias de corrupção deslavada e escândalos sexuais em profusão. Eis que volta a assombrar o seu país e a Europa. Nas recém-realizadas eleições nacionais, o bloco direitista liderado pelo partido do magnata da mídia italiana, Povo da Liberdade (PdL), conquistou no Senado cadeiras suficientes para neutralizar a maioria obtida na Câmara pela coligação de centro-esquerda em torno de Pier Luigi Bersani, do Partido Democrático (PD). Criou-se assim um vácuo de poder que dificilmente será superado sem um entendimento entre Bersani e Berlusconi - uma hipótese impensável antes do pleito.Esse não foi o único resultado extravagante das eleições de domingo e anteontem. Rivaliza com o espetacular desempenho do Movimento Cinco Estrelas (M5S) do ex-comediante Beppe Grillo. Ao receber mais de 25% dos sufrágios para a Câmara e pouco menos do que isso para o Senado, tornou-se, individualmente, o partido preferido dos italianos. Grillo criticou o cinismo, o compadrio e a corrupção aparentemente inerradicáveis do sistema político do país. Saiu às ruas e usou a internet como ninguém. Por fim, na sequência de números inusitados, foi pior do que se esperava o fracasso do atual primeiro-ministro, o ex-banqueiro Mario Monti, cujo recessivo programa de austeridade fiscal foi rejeitado por 9 em cada 10 eleitores.A própria eleição resultou de uma iniciativa de Berlusconi. Obrigado a renunciar ao governo em novembro de 2011, pelo efeito combinado da devastadora crise econômica com o lamaçal em que se atolara, apoiou de início o senador biônico Monti, que assumiu sem votos, mas com o ostensivo apoio da chanceler alemã Angela Merkel e da Comissão Europeia. Em fins de 2012, quando a Justiça italiana se preparava para processá-lo por corrupção e abuso de menores, Berlusconi mandou o seu partido se desligar da base parlamentar de Monti, forçando a convocação de novas eleições. Na campanha, prometeu diminuir impostos e reverter as medidas impopulares do antecessor.No terceiro país mais rico da zona do euro, abatido pelo desemprego de 10% (36% entre os jovens), produção industrial em queda livre, além dos cortes de salários, pensões e do gasto público em geral, os ataques de Berlusconi às políticas de Monti suplantaram os de Bersani, tanto que muitos previam uma aliança de governo entre o esquerdista e o tecnocrata. As bolsas europeias subiram com os resultados de boca de urna que esboçavam esse cenário para despencar logo em seguida quando os votos contados vingavam Berlusconi. A esmagadora maioria dos italianos disse não à austeridade. Mas o êxito de M5S de Beppe Grillo se deve à indignação com os costumes políticos da terra. Ele tem uma atitude ambígua com relação à União Europeia. Chamou Monti de "poodle de Merkel", mas se declara um "europeísta convicto".Na segunda-feira à noite a Itália se deitou sobre um colchão de incertezas. Nos votos para a Câmara, Bersani batera Berlusconi por 0,4 ponto. Para o Senado, por 0,9. Mas o macarrônico sistema eleitoral do país dá automaticamente 55% das 630 cadeiras da Câmara ao bloco mais votado, se este não os tiver conquistado nas urnas. O arranjo sacrifica a representatividade à governabilidade. Ocorre que as mesmas regras a sabotam, fazendo-a depender da composição do Senado. A coligação de Bersani ficou com 119 das 315 cadeiras; a de Berlusconi, com 117. Embora vitorioso nas duas Casas, a centro-esquerda teria de formar um governo de coalizão. Não seria com Monti, porque os seus votos não bastam. Não seria com Grillo, porque ele avisou que não se aliaria a ninguém. O espectro de uma nova eleição faria da Itália uma segunda Grécia e agravaria a crise do euro. O menos maligno seria Bersani aliar-se a Berlusconi, apesar do abismo entre ambos. Ontem, Il Cavaliere se apressou a dizer que, para a Itália não ficar desgovernada, todos os partidos precisam "fazer sacrifícios".