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A Receita e o auxílio-moradia

Decisão judicial proibiu a cobrança de Imposto de Renda sobre auxílio-moradia

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Por Redação
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No mesmo dia em que a Receita Federal notificou juízes e desembargadores de São Paulo, informando que cobrará Imposto de Renda sobre os valores recebidos a título de auxílio-moradia que não tiverem sido de fato usados para gasto com aluguel, uma juíza da 7.ª Vara Cível da Justiça Federal da Bahia concedeu liminar pedida por um promotor, proibindo as autoridades fazendárias de fazer essa cobrança. Como os juízes e desembargadores, que recebem um adicional de R$ 4,3 mil por mês a título de auxílio-moradia, mesmo residindo em casa própria, promotores e procuradores de Justiça também recebem o benefício.

Esses fatos não são isolados e apontam as dificuldades do Executivo para enfrentar o desafio de controlar as corporações mais fortes do funcionalismo, adequando seus salários à realidade fiscal do poder público. Ainda que a juíza da Justiça Federal da Bahia tivesse competência legal para conceder a liminar pedida, fica difícil afastar da opinião pública a impressão de que agiu em benefício de sua própria corporação. Em outras palavras, ela teria decidido em causa própria, criando mais uma situação constrangedora para uma corporação que insiste em se apresentar como guardiã moral da Nação.

Desde o ano passado, a Receita vinha divulgando que notificaria juízes e promotores, em 2018, concedendo-lhes prazo para apresentar declarações retificadoras, discriminando o quanto estão gastando com aluguéis, sob pena de multa além do pagamento do Imposto de Renda devido. Em resposta, as duas corporações alegaram que o Conselho Nacional de Justiça e o Conselho Nacional do Ministério Público decidiram que auxílio-moradia não é remuneração, mas verba de caráter indenizatório, motivo pelo qual seus valores não são levados em conta nem para efeito de pagamento de Imposto de Renda nem para cálculo do teto do funcionalismo. Também lembraram que a Advocacia-Geral da União (AGU) divulgou parecer técnico reafirmando a distinção entre verbas remuneratória e indenizatória. E ainda disseram que, por ser um órgão de segundo escalão, a Receita não poderia se opor ao parecer de um ministro de Estado.

Apesar de esses argumentos serem tecnicamente discutíveis e de a magistratura já ter reconhecido que o auxílio-moradia é expediente para aumentar os salários da corporação, a insistência em continuar recebendo-o a qualquer custo vem gerando situações absurdas no plano institucional. Relator de uma ação que contesta a constitucionalidade do auxílio-moradia, o ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal, concedeu em 2014 uma liminar em favor da magistratura e a estendeu aos promotores. E, quase quatro anos depois, período em que o auxílio-moradia foi pago regularmente a todo os afortunados promotores e juízes brasileiros, Fux tomou outra decisão não menos absurda. Desprezando o fato de que o que se discutia era uma questão de constitucionalidade, ele enviou o caso para a Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração Federal, da AGU, como se o problema fosse uma simples pendência entre a União e braços e órgãos da administração federal.

Mais esdrúxula foram as duas sugestões oferecidas por juízes e promotores na negociação: uma propunha aumentar o teto do funcionalismo para incorporar o auxílio-moradia aos salários e a outra sugeria a criação de um benefício relativo ao tempo de trabalho. Como o questionamento do auxílio-moradia é de caráter jurídico e a Câmara da AGU não pode homologar uma conciliação que afronte a Constituição, o caso voltou ao STF. Consciente de que ele vem enxovalhando a imagem do Judiciário, o novo presidente da Corte, ministro Dias Toffoli, afirmou que pautará o julgamento assim que o Senado aprovar um aumento de 16,38% nos salários da magistratura.

Fica evidenciada aí uma espécie de barganha que, apesar de discutível no plano moral, ao menos tem a vantagem de acabar com o problema no campo legal. Isso mostra como é difícil conter as pressões das corporações mais bem remuneradas do funcionalismo.