Foto do(a) page

Conheça o Espaço Aberto na editoria de Opinião do Estadão. Veja análises e artigos de opinião em colunas escritas por convidados e publicadas pelo Estadão.

Opinião|A reconstrução do Estado e a confiança no futuro

O enfraquecimento do Estado é o responsável pela crise, e o desequilíbrio e os conflitos entre os Poderes são os elementos que debilitam a sua capacidade de agir

Atualização:

Não é a primeira vez que o Brasil enfrenta uma crise de grandes proporções como a deste momento. Mas é a primeira vez que se dissemina na sociedade brasileira uma sensação de crescente insegurança com respeito ao futuro e de desconfiança na capacidade do governo para liderar a saída da crise.

Os índices de desemprego não param de aumentar e devolvem boa parte da população brasileira às condições de pobreza de que acreditava haver saído para sempre. As alavancas do crescimento foram desmontadas e com isso diminui a esperança de que a saída da crise seja rápida. O desalento toma conta de grande parte do povo e repercute no ambiente político, que é sacudido pela falta de confiança na capacidade de as instituições vigentes encontrarem um caminho diferente para enfrentarem os desafios do momento.

O enfraquecimento do Estado é o responsável pela situação. Crises passadas levaram as lideranças políticas da época a tomar medidas para dotar o Estado de condições para restabelecer a ordem, recuperar a autoridade e liderar o processo de retomada do crescimento. Isso não se vê neste momento. O desequilíbrio e os conflitos entre os Poderes do Estado são os elementos que debilitam a sua capacidade de agir. Com frequência o noticiário registra a interferência de um Poder sobre o outro, ignorando o princípio de autonomia dos Poderes que rege a organização do moderno Estado democrático. Ao enfraquecimento do Executivo e ao extraordinário aumento da judicialização da despesa pública se adicionam a anulação de medidas tomadas pelo Legislativo por decisão do Judiciário e a insegurança que tais ocorrências provocam em empresários e consumidores.

Apesar da recente vitória do Executivo com a aprovação da PEC que estabelece um teto para o crescimento dos gastos públicos e da divulgação de que isso foi feito com o apoio de diversas correntes que disputam espaço pelo comando do Legislativo, as incertezas quanto ao desdobramento de um processo de ajuste fiscal que envolve medidas altamente polêmicas, pautadas por discussões contaminadas por um forte viés ideológico, não contribuem para dissipar a neblina que impede de vislumbrar o que está mais à frente.

Um passo importante foi dado na direção do que precisa ser feito para pôr um freio no desequilíbrio nas contas púbicas, mas isso não é suficiente para restaurar a confiança no futuro. Não se trata apenas de aguardar que o reconhecimento dos mercados com respeito ao compromisso do governo com a sustentação da disciplina fiscal acione a mola do crescimento. É necessário mais do que isso. A sociedade aguarda ansiosa por sinais claros de que o Estado está preparado para assumir suas responsabilidades e liderar um novo processo de crescimento que faça renascer a esperança no futuro. E o que precisa ser feito para obter esse reconhecimento?

É preciso devolver ao Estado a capacidade de exercer a contento suas responsabilidades. O lema inscrito na Bandeira do Brasil e assumido pelo novo governo resume bem as responsabilidades básicas de um Estado moderno: ordem e progresso. Manter a ordem interna e a segurança externa para proporcionar as condições essenciais ao progresso. Pois não há progresso sem ordem, sem estabilidade institucional e econômica e capacidade de tomar as medidas necessárias para impulsionar a economia e prover os serviços essenciais à população.

No exercício dessas responsabilidades é fundamental que o Estado combine três atributos essenciais para a eficácia de sua atuação: equilíbrio, autoridade e visão de futuro. O equilíbrio não se resume à sua dimensão fiscal, que é um pré-requisito, mas não um objetivo em si mesmo. O equilíbrio precisa estar ancorado em três pernas da mesma dimensão e resistência: a macroeconômica, que não se sustenta sem responsabilidade fiscal; a social, que deve cuidar da repartição social dos frutos do progresso; e a política, que precisa assegurar a estabilidade institucional e o adequado funcionamento das instituições democráticas.

É importante não confundir autoridade com autoritarismo. Autoridade é essencial em qualquer instituição que rege o comportamento da vida nas sociedades modernas: na família, nas empresas, nas escolas, na religião... e no Estado. Principalmente no Estado. Para ter autoridade o Estado precisa ser forte. E para ser forte não é necessário que seja grande. Um Estado forte é aquele que dispõe de uma inteligência capaz de formular as políticas de que o País precisa para promover o desenvolvimento e prover os serviços essenciais ao bem-estar da população; e de uma burocracia qualificada e competente para gerenciar a execução dessas políticas com eficiência e eficácia.

A força do Estado se sustenta na confiança que ele inspira na população e isso depende de ele estar sempre à frente dos acontecimentos mirando o futuro. Isto é, ele precisa se antecipar aos fatos para agir preventivamente com vista a amenizar os impactos de crises externas e atuar proativamente para capitalizar os ganhos internos em momentos favoráveis. Para tanto é necessário que as ações do Estado sejam pautadas por um planejamento que oriente a formulação de estratégias, a formulação das políticas púbicas e o estabelecimento de metas a serem estabelecidas para cada caso.

Equilíbrio, autoridade e visão de futuro compõem os três pilares de um Estado capaz de desfrutar do respeito e da confiança da sociedade. Respeito pela capacidade de sustentar o equilíbrio e agir com rapidez e eficiência. Confiança por dispor de autoridade para dar as respostas demandadas em distintas situações. Respeito e confiança em razão das condições que uma visão estratégica propicia para oferecer a segurança necessária para ultrapassar obstáculos e seguir adiante.

*Economista, professor da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da FGV, foi presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada

Opinião por Fernando Rezende