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A recuperação da classe C

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Por Redação
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A crise interrompeu um processo de crescimento das classes de renda mais alta e da consequente redução das camadas mais pobres que vinha sendo observado pelo menos desde o início da década e que marcava uma melhora constante do quadro social brasileiro. Esta é a constatação de um estudo do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas (FGV), segundo o qual os efeitos mais agudos da crise foram registrados nos quatro primeiros meses de 2009. O estudo aponta também que, nos meses mais recentes, a situação mudou e é possível que esteja sendo restabelecida, paulatinamente, a tendência anterior, de melhora da renda da população.Elaborado com base na Pesquisa Mensal de Emprego (PME), realizada pelo IBGE nas seis principais áreas metropolitanas do País, o estudo da FGV mostra que a faixa representada pelas classes A e B - formadas por famílias com renda mensal superior a R$ 4.807 - passou de 11,09% da população em julho de 2003 para 15,05% em julho do ano passado, com crescimento de 35,7%; a classe C, com renda familiar na faixa de R$ 1.115 a R$ 4.807, aumentou 23,1%. Já as classes D (renda familiar de R$ 804 a R$ 1.115) e E (renda familiar de até R$ 804) diminuíram 15,5% e 37%, respectivamente.A crise inverteu esse padrão. Provocou o encolhimento da fatia dos brasileiros que têm renda mais alta e fez crescer a dos que ganham menos. Entre setembro do ano passado, quando a crise começou a se espalhar para o resto do mundo, e abril deste ano - pior mês para o Brasil em termos de renda da população - a faixa correspondente às classes A e B diminuiu 6,8% e a classe C encolheu 0,8%. Em compensação, a classe D aumentou 3,3% e a classe E, 5,7%. Ou seja, por causa da crise, muitos brasileiros passaram para faixas de renda inferiores.Mais numerosa de todas, a classe C foi a que mais empurrou as pessoas para as faixas de renda mais baixa. Não apenas por abrigar a maioria dos trabalhadores qualificados, mas, sobretudo, pelo papel que desempenha na preservação do equilíbrio da sociedade, o encolhimento da classe C começava a preocupar.Foi ela que simbolizou um dos fenômenos sociais mais notáveis dos últimos anos, caracterizado pelo aumento da renda real e pelo aumento do emprego formal. Foi também a classe C que, com a sofisticação de hábitos de consumo estimulada pela melhora de sua renda, sustentou a notável expansão do mercado interno.Em algumas categorias de produto, como a de telefones celulares pré-pagos, essa fatia da população responde por até 70% das vendas. Em outras, como a de alimentos, bebidas e produtos de higiene e limpeza, ela responde por 50% do mercado interno. Por isso, a classe C é o principal alvo das empresas de bens de consumo. Dados referentes aos meses mais recentes divulgados pelo coordenador do estudo da FGV, economista Marcelo Cortes Neri, indicam que, depois dos sinais preocupantes de encolhimento da camada média da população e do aumento da desigualdade de renda no começo do ano, a situação está voltando aos níveis observados antes do início da crise mundial. "Houve um empate", disse Neri ao comentar os números. Não chega a ser um resultado ruim, pois se temeu que a deterioração do quadro social em razão da crise seria mais intensa e mais longa.Na maioria das áreas metropolitanas, depois da crise, a renda média dos moradores da capital teve desempenho pior do que a dos que moram nos demais municípios. A maior discrepância entre as rendas, na capital e em outros municípios, foi constatada na Grande São Paulo. Na capital, a renda média per capita caiu 3,2% de julho de 2008 a julho deste ano, enquanto nos demais municípios aumentou 6,7%.Uma das hipóteses de Marcelo Neri para explicar essa discrepância é o fato de, por serem mais industrializadas e mais voltadas para o mercado externo, as capitais serem mais suscetíveis à crise. Além disso, como a crise se propagou através dos mercados financeiros e os demais municípios metropolitanos são menos conectados a esses mercados do que as capitais, seu efeito na periferia da região metropolitana foi menor.