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A Rede recolhida

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Por Redação
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Ao negar registro à Rede Sustentabilidade, o embrião de partido liderado pela ex-senadora Marina Silva, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) cumpriu a lei. Mas a decisão foi injusta com um movimento que se distingue das 32 legendas aptas a funcionar no País, em geral, pela coerência de propósitos e a primazia que confere à ética. Em 2010, com a sua figura também destoante dos padrões usuais, Marina canalizou em grande medida a insatisfação, sobretudo dos mais jovens, com os maus costumes políticos brasileiros. A causa ambientalista e a simpatia dos correligionários evangélicos ajudaram-na a colher 19,6 milhões de sufrágios, ou 19,3% dos votos válidos, o que a conduziu ao terceiro lugar na disputa pelo Planalto. As sondagens depois dos protestos de junho deram-lhe 26% e a credencial de principal desafiante da presidente Dilma Rousseff.Na quinta-feira, 6 dos 7 ministros do TSE se recusaram a abrir a exceção reivindicada pela Rede, acolhendo 98 mil assinaturas rejeitadas pelos cartórios eleitorais. Se as tivessem validado - contrariando a letra da lei e abrindo um perigoso precedente -, o pedido de registro cumpriria com folga a exigência da adesão de 492 mil eleitores (ou 0,5% dos votos para a Câmara dos Deputados no último pleito). Afinal, pouco mais de 442 mil assinaturas já haviam sido legitimadas. Na antevéspera, o vice-procurador-geral eleitoral, Eugênio Aragão, dera parecer contrário ao registro, "com certo pesar". Não foi outro o ânimo expresso por diversos ministros da Corte. "Gostaria muito que esse partido pudesse receber o deferimento", confessou a presidente do tribunal, Cármen Lúcia. "Mas não vejo como deixar de aplicar a legislação."Uma perversa combinação de fatores conduziu a esse desfecho. De um lado, a incompetência e o amadorismo dos "marineiros" na coleta de assinaturas. A operação foi conduzida por 12 mil voluntários e não foram raros os casos de eleitores que precisaram como que correr atrás daqueles que deveriam tê-los procurado. O trabalho começou apenas em fevereiro. Tarde demais para a pesada e pachorrenta burocracia dos cartórios eleitorais incumbidos de certificar as firmas, a tempo de o processo estar concluído e julgado pelo TSE antes de hoje, prazo final para a formação de siglas e filiação partidária com vistas às eleições de 2014. Para ter ideia, as duas mais novas agremiações registradas - o PROS e o Solidariedade - se lançaram a campo em janeiro de 2010 e outubro de 2012, respectivamente.De outro lado, embora não se tenha notícia de fraudes cometidas pela equipe de Marina ao arrebanhar assinaturas - diferentemente do que se descobriu no caso do Solidariedade, do notório "Paulinho da Força" -, o elevado número de firmas descartadas pelos cartórios, sem as explicações que todo servidor público deve à sociedade por seus atos, é no mínimo estranho. Excesso de zelo na conferência das assinaturas e no cotejo dos registros eleitorais podem explicar uma parte das recusas. O vezo pavloviano dos burocratas de preferir o não ao sim diante de uma petição pode explicar outra parte. Por fim, há a suspeita de sabotagens. Na média nacional, os cartórios invalidaram perto de 24% das assinaturas. No Distrito Federal, o descarte foi de 32%. No ABC paulista, outro reduto do PT, a média ficou acima de 50%. Em duas zonas eleitorais de São Bernardo, por exemplo, a rejeição variou entre 72% e 78% do total apresentado. A questão mais ampla, de todo modo, é a falta de sintonia entre o direito à organização política, previsto na Constituição, e a realidade que subordina a criação de partidos (entidades privadas de direito público) a amarras legais e à tutela do Estado, por meio da Justiça Eleitoral. Isso porque a atividade política estruturada e as campanhas eleitorais são subsidiadas pelo contribuinte - mediante o Fundo Partidário e a propaganda no rádio e na TV à custa do erário. Goste-se disso ou não, é o que explica a necessidade de tirar uma "certidão de nascimento" para um partido existir. E a atribuição do TSE de concedê-la ou não. Recolhida, é de desejar que a Rede não se esgarce.