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A reforma incompleta

Até agora, apesar da resistência de sindicatos e associações de juízes à Lei 13.467, a aplicação das novas regras trabalhistas vinha aumentando a formalização de empregos e reduzindo o número de processos

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Por Redação
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A perda de validade da Medida Provisória (MP) 808, que alterava alguns dispositivos da reforma trabalhista promovida em 2017 pela Lei 13.467 e não foi votada pelo Congresso por causa de disputas políticas, cria dificuldades adicionais para a modernização das relações entre patrões e empregados. Como o governo tinha pressa na aprovação da reforma, negociou com o Senado a aprovação do texto votado pela Câmara, comprometendo-se a editar em medida provisória as sugestões dos senadores. O governo cumpriu o prometido, mas o Congresso não fez a sua parte.

Entre outras medidas, a MP esclarecia pontos da Lei 13.467 questionados nos meios jurídicos e tratava de questões controvertidas, como contrato intermitente, negociação coletiva, obrigatoriedade do trabalhador de pagar custas de ação trabalhista e atividade insalubre por gestantes e lactantes. O vácuo legal decorrente da perda de validade da MP acarreta dois importantes problemas.

O primeiro é de natureza legislativa, uma vez que o presidente Michel Temer terá de regulamentar vários dispositivos previstos pela MP. Como o Congresso praticamente já parou, por causa das eleições, líderes governistas alegam que não há clima para que o Executivo baixe uma nova MP. Por seu lado, técnicos do Executivo e do Legislativo convocados pela Casa Civil entendem que alguns dispositivos da MP poderiam ser adotados por decreto, enquanto outros teriam, necessariamente, de ser objeto de projeto de lei. Após reunião com os técnicos, o chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, informou que o governo poderá optar por um ajuste pontual da Lei 13.467 que independa de aval legislativo. Mesmo assim, não há prazo para que o decreto correspondente seja assinado pelo presidente Michel Temer, disse ele.

A contribuição previdenciária adicional que o trabalhador terá de fazer em caso de receber menos de um salário mínimo, por exemplo, é um ponto que pode ser adotado por decreto. Já a quarentena de um ano e meio para que os patrões possam demitir um trabalhador regular e contratá-lo como intermitente ou esporádico tem de passar pelo Congresso. Enquanto o governo não decidir se baixará um decreto, voltam a valer as regras anteriores à MP 808, dando margem assim a discussões jurídicas.

O segundo problema é o risco de judicialização das discussões. A questão mais polêmica diz respeito ao alcance da Lei 13.467. Para o governo, a MP deixava claro que as novas regras valeriam para todos os contratos de trabalho, inclusive os assinados antes da sanção da lei. Já para a Procuradoria do Trabalho, elas só valeriam para os contratos novos.

Para arbitrar a discussão, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) criou uma comissão composta por nove ministros. O problema é que, enquanto a Corte não revisar as súmulas sobre o assunto, juízes das instâncias inferiores da Justiça do Trabalho terão liberdade para interpretar as novas regras ao seu alvedrio. Como muitos se opuseram à aprovação da Lei 13.467, por motivos políticos, pode-se esperar que tomem decisões que reduzam o alcance desse texto legal. Até que o TST firme nova jurisprudência, neutralizando as decisões conflitantes nas diferentes instâncias da Justiça do Trabalho, deverão passar-se alguns anos.

Entre os temas que também correm o risco de ser judicializados destaca-se a fixação de um teto para a indenização por dano moral. A MP previa que os valores deveriam ter como referência o teto de benefício do Regime Geral de Previdência Social, que hoje é de R$ 5,6 mil. Com a perda de validade da MP, o limite passa a ser de até 50 vezes o salário contratual do empregado, quando a ofensa é considerada grave.

Até agora, apesar da resistência de sindicatos e associações de juízes à Lei 13.467, a aplicação das novas regras trabalhistas vinha aumentando a formalização de empregos e reduzindo o número de processos. A perda de validade da MP 808 causará incertezas para patrões e empregados durante um certo período de tempo, mas não ameaça uma reforma que vem dando certo.