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Opinião|A República dos petralhas e os protestos

Atualização:

Contrariamente ao que pensava Tocqueville em A Democracia na América, como sendo a República “o reino tranquilo da maioria”, para os petralhas ela é o reino intranquilo da minoria. Por um motivo: Lula, Dilma et caterva privatizaram as instituições republicanas para que fossem postas por eles a serviço de si próprios e dos seus amigos, tendo, de outro lado, cooptado empresários para que vendessem criminosamente bens e serviços superfaturados à Petrobrás, a fim de a elite petralha se beneficiar financeiramente e abastecer o partido para se tornar hegemônico.

É isso que está levando as multidões às ruas. Os petralhas incorreram no vício que Aristóteles, na sua Política, assinalava como característica dos regimes corruptos: estes ocorrem quando os que governam o fazem exclusivamente em benefício próprio. Ora, a dupla Dilma-Lula, com a posse do ex-presidente como novo ministro da Casa Civil, pensou em termos puramente domésticos, como se o Palácio do Planalto fosse a “casa da mãe Joana”. Tudo é gerido, nesta República de araque, em benefício exclusivo da grande família lulopetralha. Para o resto, a maioria esmagadora dos cidadãos deste país, não há uma explicação que deva ser dada.

Acresce a isso a deformação que Lula, como populista, impingiu ao Estado Democrático de Direito e às instituições republicanas. Para ele, estas são dispensáveis, num clima de patrimonialismo rasteiro – segundo o jornalista Ruy Castro, “Lula transferiu a Presidência para o mictório de botequim” (O estilo é o homem, jornal Folha de S.Paulo, 16/3.

Convenhamos que o ex-presidente encarna, assim, a figura mais atrasada do líder patrimonialista, aquele identificado com personagens lendários das letras latino-americanas, como o Patriarca (que remete à figura do ditador venezuelano Juan Vicente Gómez), que presidia uma republiqueta de bananas onde burocratas se misturavam com pedintes e filhos das amantes, num clima de bordel caribenho, segundo a contundente narrativa de Gabriel García Márquez em O Outono do Patriarca (1975).

Ou como o personagem central – o chefete provinciano Facundo Quiroga – da obra de Domingo Faustino Sarmiento intitulada Facundo, Civilização e Barbárie no Pampa Argentino (1846). Facundo Quiroga semeava a miséria entre pobres, remediados e ricos da Província de São Luís, na Argentina, taxando-os com uma carga tributária insuportável, tendo-os submetido previamente ao terror policial para “abrandá-los”.

Em ambos os casos, na Venezuela e na Argentina, o líder patrimonialista é essencialmente preguiçoso, somente se preocupando em se locupletar, bem como à sua corja de familiares e apaniguados, tendo as instituições republicanas caído na paralisia total. Tanto na narrativa de García Márquez quanto na de Sarmiento, só restou o poder privatizado na fazenda do tirano, que de público não tinha mais nada, pois tudo se converteu em função particular do caudilho. As notícias eram, segundo García Márquez, ilicitamente editadas por uma engenhoca que lia diretamente os pensamentos do dono do poder e os formatava com grande rapidez, para manter incólume “a nau do progresso dentro da ordem”, a fim de “esconjurar a incerteza do povo num poder de carne e osso que, na última quarta-feira de cada mês, divulgava um informe sedativo de sua gestão de governo através da rádio e da televisão”.

Convenhamos que os chefetes petralhas foram, com a ajuda dos marqueteiros, muito eficientes na arte de fabricar mentiras e divulgá-las aos quatro ventos, tendo para isso decuplicado os gastos da Presidência da República com propaganda, ao longo dos anos de desgovernos petistas.

É claro o clamor das ruas nestes tempos de descarada reformulação do poder por parte dos petralhas, tendo Dilma se colocado como coadjuvante da ópera-bufa dirigida por Lula e encenada apenas pelos militantes do PT e os poucos colaboradores que restaram dos outros partidos, que já começam a abandonar a nau em perigo.

Três coisas exigem os cidadãos irados nas passeatas e manifestações que tomaram conta das praças, ruas e avenidas das cidades brasileiras:

1) A saída de Dilma da Presidência, pela via da renúncia ou do impeachment;

2) a submissão de Lula à Justiça, a fim de responder pelos seus crimes de enriquecimento ilícito e de atentado contra as instituições republicanas;

3 – a defesa da magistratura (notadamente do juiz Sergio Moro), do Ministério Público, da Polícia Federal e outras instâncias que colaboram com as autoridades na administração de justiça.

Pelo o que se vê pelo Brasil afora, os cidadãos deste país não estão dispostos a abrir mão de sanear as instituições. Não adianta políticos espertalhões, da oposição, tentarem capitalizar para os seus currais eleitorais a insatisfação da sociedade. Onde eles têm aparecido têm sido devidamente enxotados. A mensagem é clara: os brasileiros querem renovação da forma de fazer política. Ou os candidatos para as próximas eleições municipais reciclam os seus discursos e as suas propostas, ao vão colher a derrota nas suas bases.

A mensagem vale para as autoridades dos três Poderes. Para o Executivo é clara: o tempo de Dilma acabou. Para os magistrados vale também: os cidadãos estão de olho nas decisões dos tribunais e não aceitarão pedaladas jurídicas destinadas a manter incólumes os interesses dos donos do poder. Para o Legislativo é meridiana: os representantes do povo devem representar mesmo os interesses dos cidadãos; é necessário que o Congresso Nacional se ocupe, de forma prioritária, da reforma política, de modo a revalorizar a representação, com a adoção de mecanismos de aproximação entre eleitor e eleito, como é o caso do voto distrital. *RICARDO VÉLEZ RODRÍGUEZ É MEMBRO DO CENTRO DE PESQUISAS ESTRATÉGICAS DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA (UFJF), É PROFESSOR EMÉRITO DA ECEME E DOCENTE DA FACULDADE ARTHUR THOMAS, EM LONDRINA

Opinião por RICARDO VÉLEZ RODRÍGUEZ