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A responsabilidade é dos Estados

Ao anunciar a decisão, Temer lembrou que 'surgiu com grande força a ideia de que deveríamos obedecer a autonomia dos Estado'

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Por Redação
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É inegavelmente forte o risco de se consolidar a interpretação de que a decisão do presidente Michel Temer de retirar da proposta de reforma da Previdência Social a revisão das regras para a aposentadoria de servidores públicos estaduais e municipais é um recuo. Anunciada durante uma entrevista coletiva à imprensa convocada de maneira inesperada, a decisão passou, de fato, a impressão de que Temer, sem condições de resistir à pressão crescente de parlamentares e de grupos de servidores, aceitou modificar o projeto de iniciativa do Executivo que está em discussão no Congresso. Afastada a espuma que tem encoberto o exame convencional do tema, porém, surgem na decisão do presidente da República componentes que lhe dão razão, como necessidades políticas e institucionais cujo atendimento facilita a aprovação da reforma sem comprometer o ajuste fiscal esperado, pelo menos no que se refere às contas da União.

O governo teria identificado um risco grande de o projeto de reforma da Previdência, na forma proposta inicialmente, ser questionado na Justiça com base na autonomia federativa dos Estados e dos municípios. Juízes e promotores estaduais contrários à proposta já haviam citado essa possibilidade. Além disso, muitos integrantes da base parlamentar do governo se queixavam da pressão que vinham sofrendo em seus redutos eleitorais por parte de funcionários públicos estaduais e municipais, contrários à sua inclusão na reforma.

Ao anunciar a decisão, Temer lembrou que “surgiu com grande força a ideia de que deveríamos obedecer a autonomia dos Estados, portanto fortalecer o princípio federativo e, assim sendo, fazer a reforma da Previdência apenas referente aos servidores federais”. O presidente acrescentou que vários Estados e municípios já reformularam seu sistema previdenciário, razão pela qual incluí-los na reforma proposta pelo Executivo federal “seria uma relativa invasão de competência que não queremos neste momento levar adiante”.

Isso, obviamente, retira os funcionários estaduais e municipais da reforma e, do ponto de vista político, é provável que a decisão, ao aliviar a pressão que vinham sofrendo os congressistas, facilite a aprovação do restante da reforma, ou pelo menos sua essência. Se isso ocorrer, será um grande avanço, pelo menos para o governo federal, pois a mudança terá impacto zero sobre as finanças da União, como observou o ministro do Planejamento, Dyogo Oliveira.

É claro que persistirá o grave problema do desequilíbrio dos regimes previdenciários estaduais. Estima-se em cerca de R$ 90 bilhões o déficit dos regimes próprios de Previdência dos Estados. Esse valor corresponde a cerca de um quarto do total do déficit de todo o sistema previdenciário nacional. É um número que não deixa dúvida quanto à premente necessidade de reformulação desses regimes, para que seja possível reduzir a dívida pública em todos os níveis ao longo do tempo e evitar o colapso das finanças públicas num futuro não muito distante.

Para os governadores cujos Estados enfrentam esse tipo de problema – e eles são a maioria – estava sendo muito confortável politicamente que a reformulação dos respectivos regimes previdenciários fosse imposta por uma legislação de caráter nacional, como a reforma proposta pelo governo Temer. Isso os aliviaria da pressão do funcionalismo estadual contra as mudanças – e que, pela maneira como a reforma estava sendo conduzida, era exercida sobre deputados e senadores.

Agora, são os governadores que terão de encarar a crise que lhes diz respeito diretamente. Alguns já o fizeram, com a reformulação dos respectivos regimes previdenciários, com medidas como exigências mais rigorosas para a concessão dos benefícios e a criação de fundos próprios de previdência social para o funcionalismo.

Os que ainda não o fizeram terão de fazê-lo com presteza, mesmo que para isso tenham de correr o risco político de propor medidas de caráter impopular. Até há pouco, em casos de dificuldades financeiras, podiam recorrer ao socorro da União e, mediante articulada ação política, o obtinham. Agora, o governo federal assegura que não haverá mais esse tipo de socorro.