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Opinião|A sangue frio

Atualização:

A semana que passou foi a da definição dos papéis dos diversos atores da tragédia brasileira. Personagem por personagem, cada um veio à boca do palco para dizer à sua descendência e à História: “Eis aqui o que eu sou...”.

Renan Calheiros e o PT oficializaram a lambuzagem de mucosas em que vinham entretidos, nascida das suas “afinidades eletivas”. Tendo construído, os dois, a sua trajetória política em cima do tripé corrupção, violência e exploração da miséria, quase sempre à margem da lei, a aproximação da polícia que vem no seu encalço desde Curitiba tornou claro que uma eventual afirmação do império da lei sobre o padrão histórico de negação dele na tradição brasileira configuraria, inapelavelmente para ambos, o fim final da picada.

A admissão formal da superação das variações do discurso com que cada um justificava os seus “malfeitos” em troca de uma garantia mútua de impunidade se impôs, assim, como um imperativo de sobrevivência. Renan Calheiros e Dilma Rousseff são, agora oficialmente, a perna direita e a perna esquerda do PT, que não permanecerá em pé se qualquer das duas vier a ser quebrada.

Ao dar com exclusividade a Eduardo Cunha o que já estava devendo há muito mais tempo a Renan Calheiros, o “porteiro do impeachment”, Rodrigo Janot, também confirmou o que já sinalizara: ele é o procurador-geral de Dilma Rousseff antes de ser o procurador-geral da República.

Completou o quadro o “Eu também, Brutus! Eu também!” com que oito ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) sacramentaram, na quinta-feira, o “Ato Institucional” que resulta no virtual “fechamento” da Câmara Baixa do Congresso Nacional mediante a suspensão autocrática da vigência do artigo 51 da Constituição e a determinação de que, seja o que for que os representantes eleitos dos 204 milhões de brasileiros venham a decidir, mesmo por maioria de 2/3, bastam metade mais 1 dos “liderados” do “porteiro do impeachment” plantado no Senado – e, em alguns casos, até uma simples decisão solitária dele – para anular a decisão como se nunca tivesse sido tomada.

O 18 de dezembro entra para a História como a data em que se tornou inapelável a falência múltipla das instituições e da segurança jurídica sem as quais não há sustentação da vida econômica que Dilma Rousseff já vinha antecipando com os repetidos julgamentos de si mesma endossados pelos “seus” juristas e pelos “seus” legisladores em frente às câmeras de televisão, acompanhados da condenação como “golpe” a ser enfrentado com uma conflagração aberta qualquer afirmação em contrário dos juristas e dos legisladores do Brasil, agora calados por ordem superior e sem possibilidade de apelação.

O “AI-6” do STF é, portanto, apenas o encerramento formal da etapa deste desastre que interessa exclusivamente a Brasília e aos jornalistas brasiliocêntricos. Para a falecida economia do Brasil Real, que não pode ser matada mais do que já está morta, ele é apenas o atestado de óbito.

Como se há de recordar, ninguém impôs o ex-ministro Joaquim Levy ao flagelo Dilma Rousseff, foi ela própria quem o escolheu. Versado em aritmética que é, como todo bancário que se preze, não demorou muito para que ele demonstrasse incontestavelmente até para alguém com as características de Dilma Rousseff e da gente que a cerca quais eram e para onde nos levariam os números que estavam postos e a impossibilidade física de continuar fazendo das palavras atos que enchessem de novo o Tesouro Nacional esvaziado, mesmo oferecendo, por cima dos 15% a que já chegamos, a pele de todos os brasileiros vivos e ainda por nascer a quem se aventurar a nos emprestar dinheiro que valha alguma coisa.

Foi aí – nesta demonstrada e redemonstrada inexistência de alternativa para sair desse buraco sem uma reforma profunda do Estado – que a questão realmente “pegou”, deixando o País paralisado à espera de que Dilma e cia. se refaçam do choque. Pois, de fato, como o Estado brasileiro é o PT e, mais especialmente, a gordura mórbida de que ele vem sendo recheado nos últimos 13 anos; e como tudo o que resta ao PT é esta rarefeita militância que ele ainda consegue a duras penas pôr na rua, constituída pelo funcionalismo público “enfiado” e mais as agremiações diretamente assalariadas do Estado que a imprensa condescende em continuar chamando de “movimentos sociais”, a escolha muito prática e concreta que se apresenta ao PT é reduzir o tamanho do PT para reabrir espaço para o Brasil, ou deixar que o Brasil exploda.

Esta é a faceta menos compreendida da tragédia brasileira: a massa da opinião pública não conhece estes números que o ministro Levy passou um ano exibindo nas lousas das salas de reunião do Planalto e que se mostraram bastantes para convencer até mesmo o PT de que não há alternativa para salvar o Brasil da mutilação, senão incluir na crise também e principalmente os eternos “sem crise”, que sempre a fabricam, mas nunca a vivem. Tendo se autocondenado à amplificação do que lhe dizem fontes oficiais, à reprodução das denúncias e dossiês a que lhe “dão acesso” as partes em conflito ou a relatar o que fazem a Polícia Federal e as células ainda vivas do Poder Judiciário, a imprensa brasileira simplesmente não tem trabalhado o mapeamento do Estado petista e suas medidas autoexplicativas que, postas ao lado das medidas do Brasil Real em desmoronamento, conduzem automaticamente às respostas certas. E isso desfoca e dispersa a força de pressão sem a qual não se corrigirá o rumo a favor do Brasil.

Com o “ataque em pinça” da semana passada, o PT comunicou à Nação a sua decisão. Com a manobra que excluiu formalmente dessa discussão todos os representantes eleitos dos 204 milhões de brasileiros, o Supremo Tribunal Federal deixa, na prática, aos agentes patológicos da doença instilada nas veias da economia brasileira a decisão em circuito fechado com a sua própria representação política, da sua remoção ou não da corrente sanguínea que parasitam.

Conformar-se com essa violência é um caminho sem volta.

* FERNÃO LARA MESQUITA É JORNALISTA, ESCREVE EM WWW.VESPEIRO.COM

Opinião por FERNÃO LARA MESQUITA