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A sensação de governar

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Por Redação
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Com todo o alarde que a situação exige há já um bom tempo, a presidente Dilma Rousseff comandará hoje uma megaoperação em que 220 mil militares irão às ruas em 365 municípios para combater o mosquito Aedes aegypti. A iniciativa se impõe pela gravidade da ameaça à saúde pública representada pelo surto das doenças transmitidas pelo inseto. A chefe do governo convocou os ministros de Estado para participarem da operação. Cada um estará presente numa cidade diferente para acompanhar de perto a operação e ajudar na divulgação de seus objetivos. A presidente Dilma Rousseff sentará praça no Rio de Janeiro, o local mais exposto à publicidade que se quer dar ao evento.

A inclusão desse mídia show na agenda da presidente da República se deve à óbvia importância da presença da chefe do governo numa iniciativa de mobilização nacional contra a crescente ameaça do Aedes aegypti que era reclamada há meses pelos especialistas em saúde pública. Mas atende também ao propósito político de criar uma agenda positiva que possa de alguma forma neutralizar a onda de crescente descrédito na capacidade de Dilma Rousseff para governar o País, o que arrastou sua popularidade para níveis negativos sem precedentes na história da República. Essa é, para a presidente e todos os que a cercam, uma preocupação que se agrava na medida em que o processo de impeachment em tramitação no Congresso Nacional, embora pareça representar hoje uma ameaça menor do que significava três meses atrás, tem seu desfecho condicionado às imponderabilidades de uma crise política, econômica e moral que ninguém é capaz de afirmar com segurança que rumo tomará.

Mas o serviço que, ironicamente, o Aedes aegypti está prestando à combalida imagem política da presidente da República não é capaz de ao menos dissimular o enorme impasse político em que ela está encalacrada. E Dilma não tem sequer o direito de se queixar de seus problemas políticos, pois todos eles, um a um, foram criados ou provocados por ela própria.

Os exemplos da inexaurível capacidade que Dilma tem de meter os pés pelas mãos em questões políticas e econômicas são muitos e variados. Sobre o assunto há uma avultada antologia. Mas talvez a demonstração realmente emblemática de sua incapacidade de governar seja a história de como, em menos de um ano após assumir o segundo mandato, ela conseguiu isolar-se no poder a ponto de hoje saber que só pode contar, se tanto, com o apoio que lhe prestam, por dever de ofício, os colaboradores diretos.

Quando assumiu o governo novamente em janeiro do ano passado, Dilma já sabia que a economia brasileira flertava com o desastre. Medidas corretivas, ela também sabia, só não haviam sido tomadas no ano anterior porque, afinal, disputava-se uma eleição e não era hora de mudar o discurso. Ela sabia também – porque lhe haviam dito, e não por ciência própria – que teria de enfrentar um ajuste fiscal impopular para consertar o estrago feito pela “nova matriz econômica”. Sabia ainda que teria de contar com sólido apoio parlamentar para aprovar o ajuste fiscal e encaminhar reformas. E sabia, finalmente, que encontraria fortes resistências em seu próprio partido, o PT, para fazer o que precisava ser feito.

Pois Dilma foi capaz de, uma a uma, inviabilizar todas as precondições para que pudesse continuar governando. Nomeou um ministro da Fazenda a quem jamais deu poder suficiente para cumprir uma tarefa ingrata. Desde logo, indispôs-se desnecessariamente com o principal aliado, o PMDB, numa manobra desastrada para colocar na Presidência da Câmara um deputado cegamente fiel ao Planalto. E jamais conseguiu persuadir o PT de que populismo tem hora, que definitivamente não é agora. Para piorar, foi obrigada a aturar a ambiguidade de Lula, que tentava esquivar-se dos estilhaços dos escândalos que marcaram sua administração.

E, para terminar, não consegue, como demonstrou nos últimos dias, montar um orçamento minimamente administrável para a União. A ela só resta combater mosquitos. E a nós, esperar que pelo menos isso ela faça direito.