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A sombra da inflação

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Por Redação
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O risco de inflação em alta é maior do que avalia o Banco Central (BC), segundo consultores independentes e analistas do mercado financeiro. Eles não se deixaram contaminar pelo otimismo do Relatório de Inflação divulgado na quinta-feira passada pelo BC. Há quatro semanas, os especialistas consultados na pesquisa Focus projetavam aumento de 5,03% para o IPCA nos 12 meses seguintes. Na última consulta, a previsão foi elevada para 5,16%. O IPCA é o índice de preços ao consumidor tomado como referência para a política de juros. A crítica mais aberta ao otimismo oficial foi expressa em artigo no Estado do consultor e professor da USP José Roberto Mendonça de Barros: "O Banco Central ainda vai se arrepender amargamente por declarar uma vitória prematura no quesito inflação." Desta vez o humor dos mercados não tem relação com a campanha eleitoral - que foi acompanhada quase com apatia pelo mundo dos negócios. Mas o vencedor do segundo turno terá provavelmente algum motivo de preocupação. As projeções coletadas semanalmente pelo BC na pesquisa Focus têm acompanhado as variações de preços no curto prazo. O IPC da Fipe subiu 0,53% em setembro, depois de uma elevação muito moderada em agosto, 0,17%. A alta acumulada em 12 meses ficou em 4,74%, muito perto do centro da meta oficial. Mas os dados inquietantes são outros: a alta dos produtos agrícolas e as pressões de demanda, alimentadas pelo crédito, pelo aumento de salários e pela expansão dos gastos públicos. Em seu relatório trimestral de inflação, os economistas do BC mencionaram alguns desses fatores. Apontaram a valorização dos alimentos no mercado internacional e reconheceram o risco de pressões inflacionárias a curto prazo. Além disso, advertiram para o perigo de aumentos salariais superiores aos ganhos de produtividade. Mas, de modo geral, indicaram a expectativa de uma acomodação geral dos preços no próximo ano. Além disso, passaram longe de qualquer consideração crítica sobre a gastança federal. Limitaram-se a uma avaliação otimista da evolução da receita pública, reforçada pelo crescimento econômico e pela suspensão dos incentivos fiscais concedidos a alguns setores durante a crise. Esses fatores obviamente não eliminam o caráter expansionista da política orçamentária. O economista José Roberto Mendonça de Barros fez uma análise ampla das condições internacionais dos preços agrícolas, afetados por fatores como a seca e os incêndios na Rússia, as chuvas excessivas na China e no Paquistão, os possíveis efeitos do fenômeno La Niña no Brasil e as perspectivas de produção na Argentina e no Brasil. Depois de examinar as perspectivas de oferta de vários produtos, o autor do artigo acrescenta ao quadro dois fatores - o aquecimento do mercado de trabalho, descrito como excessivo, e a provável piora das expectativas. O cenário seria com certeza menos preocupante se houvesse apenas um choque de oferta. Choques desse tipo causam estragos e impõem sacrifícios aos consumidores, mas seus efeitos tendem a esgotar-se em prazo não muito longo. A própria evolução dos preços estimula maior investimento na produção. Não havendo mecanismos de indexação e de realimentação inflacionária, os problemas se dissipam. Mas as condições da demanda podem produzir um "espraiamento das pressões de custos", segundo Mendonça de Barros. A esses mesmos argumentos poderia acrescentar-se uma advertência sobre os possíveis efeitos da expansão dos gastos públicos. Os últimos dados fiscais mostram um claro descompasso, até agosto, entre despesas e receitas federais. Além disso, o setor público tem ficado longe, neste ano, da meta de superávit primário fixada pelo governo federal - um resultado equivalente a 3,3% do PIB. O balanço geral só não tem sido pior graças aos dividendos pagos à União pelas estatais. A dependência desses dividendos é uma forte comprovação da incontinência financeira do governo. Quem assumir a Presidência da República em janeiro terá de mostrar uma responsabilidade maior na gestão orçamentária ou se arriscará a afundar, em pouco tempo, num atoleiro de problemas.