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A substituição de Maria Silvia

Saída revela métodos condenáveis tolerados no Planalto

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Por Redação
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A saída da economista Maria Silvia Bastos Marques da presidência do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) – cargo no qual será substituída por Paulo Rabello de Castro – não apenas priva o governo Michel Temer de uma integrante que, por sua competência profissional, lhe agregava credibilidade, mas sobretudo revela métodos condenáveis de ação política tolerados no Palácio do Planalto.

Para boa parte da população, a escolha de Maria Silvia para o cargo que ocupou por pouco menos de um ano representou, junto com a de Pedro Parente para a presidência da Petrobrás e a da equipe de assessores diretos do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, a constituição de um núcleo de eficiência e de confiabilidade num governo ocupado, nos demais cargos de relevância, por aliados políticos do presidente Temer, então na condição de interino. Seu trabalho confirmou as expectativas otimistas daqueles que esperavam a reorganização do BNDES, para torná-lo, ao mesmo tempo, adequado à realidade fiscal e eficaz no cumprimento de seu papel de estimulador do crescimento sem favorecer este ou aquele setor, esta ou aquela companhia.

Por causa dessa forma de dirigir o banco, desmontando esquemas e revendo práticas que marcaram a gestão lulopetista – período em que generosos incentivos creditícios foram concedidos a grupos e empresas previamente selecionados, muitas vezes por critérios que interessavam ao PT –, desagradou a políticos e setores empresariais, que de maneira cada vez mais aberta passaram a fustigar sua administração. Mesmo advertido dos riscos que essas pressões impunham à gestão de Maria Silvia, o Palácio do Planalto não agiu com a prontidão e a energia necessárias. Boa parte dessas pressões nasceu na sede do Executivo, daí a tolerância do governo com o cerco montado contra a ex-presidente do BNDES.

Além das pressões externas, que incluíram ameaças à sua segurança e à de sua família, Maria Silvia suportou também as internas, depois que a Polícia Federal, em investigação sobre a transferência de recursos bilionários do banco para o Grupo JBS, levou mais de 30 funcionários para depor sob condução coercitiva. Associações de funcionários do BNDES cobraram dela a defesa intransigente do quadro técnico da instituição, com o argumento de que nada havia sido feito em desacordo com os padrões de prudência seguidos pelo banco. Essa cobrança era, em si, um abuso que não poderia ser admitido pelo governo de que Maria Silvia era membro. Mas foi.

Relembre-se, a propósito, que esse quadro sofreu grandes mudanças – fala-se na substituição de até dois terços do efetivo – ao longo dos 13 anos em que o PT determinou a política de crédito do BNDES. Acrescente-se que foi com base nessa política – destinada a criar “campeões nacionais”, de acordo com a propaganda petista – que a equipe técnica do banco deu pareceres sobre operações que, ao longo do tempo, se revelaram ruinosas para a instituição, para a moralidade pública e para o País. Exemplos não faltam. O da JBS é o mais óbvio no momento. O grupo dos irmãos Batista foi beneficiado com R$ 8,1 bilhões, em operações diretas do BNDES ou por meio de sua controlada BNDESPar, na compra de debêntures ou participação em aquisição ou fusão de empresas.

Há outras operações problemáticas, como as que envolvem as empresas criadas por Eike Batista, hoje em prisão domiciliar por suspeita de prática de crimes como corrupção e lavagem de dinheiro. O BNDES tem operações também com a Odebrecht e com empresas que tiveram como sócio o pecuarista José Carlos Bumlai, o primeiro amigo do ex-presidente Lula e condenado em primeira instância em processo da Lava Jato. Exemplar é também o caso da LBR, formada pela fusão de duas companhias com forte apoio financeiro do BNDES e que pouco depois de sua constituição entrou com pedido de recuperação judicial.

Foi a essas pressões sobre a ex-presidente do BNDES que o Planalto fez vistas grossas. Não chega a causar surpresa que isso tenha ocorrido num governo que se torna tão estranho que os ratos podem começar a caçar gatos.