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A tática do inimigo externo

Maduro dá repetidas mostras de estar firmemente determinado a fechar todas as portas para uma solução pacífica e a aumentar o isolamento de seu país

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Por Redação
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Enquanto a Venezuela se afunda cada vez mais na crise política, econômica e social em que a jogou o regime chavista, com seu delirante “socialismo bolivariano”, o presidente Nicolás Maduro dá repetidas mostras de estar firmemente determinado a fechar todas as portas para uma solução pacífica e a aumentar o isolamento de seu país. A mais recente delas foi a decisão de sair da Organização dos Estados Americanos (OEA), anunciada na quarta-feira passada com os já conhecidos arroubos retóricos da ministra das Relações Exteriores, Delcy Rodríguez.

Maduro, por sua vez, foi muito além da retórica e apelou, sem rodeios, aos palavrões mais grosseiros para reforçar seu “orgulho da decisão que tomei para libertar nossa pátria do intervencionismo (da OEA)”. E avisou: “Não reconhecemos qualquer reunião, qualquer decisão da OEA”, referindo-se à convocação de uma reunião extraordinária de chanceleres dos países-membros da organização para debater a crise venezuelana e a repressão às manifestações de protesto contra seu governo, promovidas pela oposição, que se tornaram quase diárias.

Sobraram insultos também para o secretário-geral da OEA, Luis Almagro, que já não hesita em qualificar de ditadura pura e simples o governo de Maduro, com o que apenas constata aquilo que salta aos olhos de todos, com exceção dos renitentes bolivarianos – e mesmo estes vão rareando –, entre os quais se contam líderes petistas. Mas o mais importante, que mostra o que se esconde de fato atrás das bravatas de Maduro e sua chanceler, é a acusação à OEA de estar planejando um “golpe de Estado” na Venezuela. Como se não fosse ele o verdadeiro golpista.

Acuado pela crise e pela determinação da oposição de lançar mão do único instrumento pacífico que lhe sobrou para resistir ao arbítrio – as manifestações –, Maduro apela para a conhecida tática de fabricar um inimigo externo, para um derradeiro apelo ao patriotismo. No caso, nada melhor do que o imperialismo americano, que apesar de velho, desgastado e fora de moda parece-lhe – como também a seus aliados cubanos – ter ainda alguma utilidade.

As repercussões internas e externas não tardaram. A oposição alega que a decisão de Maduro tem de ser referendada pela Assembleia Nacional, onde tem maioria e, portanto, pode invalidá-la. Isso é verdade apenas formalmente, porque Maduro, que controla todas as demais instituições, anulou os poderes da Assembleia, por meio de decisões tomadas pelo submisso Tribunal Supremo de Justiça (TSJ). Portanto, qualquer tomada de posição da Assembleia nesse caso não terá efeito prático.

No exterior, o anúncio da saída do país da OEA foi criticado por vários países do continente e pela União Europeia. Os presidentes dos Estados Unidos, Donald Trump, e da Argentina, Mauricio Macri, depois de encontro na Casa Branca, expressaram “forte preocupação com a deteriorada situação na Venezuela”, o que resume o sentimento dos membros da OEA. Mas, pelo menos no momento, nada indica que esse mal-estar externo possa produzir algum efeito na Venezuela.

E tudo isso torna ainda mais perigosa e inquietante a situação naquele país. É explosiva a combinação de falta de perspectiva de uma saída política e o aprofundamento contínuo da crise econômica. Por meio do controle que exerce sobre o TSJ e o Conselho Nacional Eleitoral, Maduro torna inelegíveis importantes líderes da oposição, como o governador do Estado de Miranda, Henrique Capriles, e impede a convocação de eleições.

Com os preços nas alturas – a inflação deve chegar a 1.700%, pelas estimativas do Fundo Monetário Nacional (FMI) –, o que torna difícil o acesso da maioria da população a alimentos e remédios, os saques se multiplicam e o descontentamento engrossa as manifestações da oposição, duramente reprimidas. Com a intransigência do regime chavista, que se agarra ao poder, a situação caminha para o agravamento dos conflitos de rua.