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Opinião|A taxa de câmbio e o mata-mata eleitoral

A insegurança com o cenário pós-eleição está influenciando os agentes de mercado

Atualização:

Nos últimos meses, o real está entre as três moedas de países emergentes relevantes que mais se desvalorizaram nos mercados, superado apenas pela lira turca e pelo peso argentino, nações que exibem elevadas fragilidades econômicas. A forte desvalorização do real ocorreu a despeito da intensa atuação do Banco Central, que ampliou a oferta de swaps cambiais em mais de US$ 40 bilhões desde maio. E apesar também da posição sólida de nossos fundamentos externos, com US$ 380 bilhões de reservas internacionais (para uma dívida externa pública de apenas US$ 70 bilhões). De fato, os ativos financeiros do País, com destaque para sua moeda, refletem o estado das expectativas em relação ao futuro. A taxa de câmbio, mais uma vez, tornou-se a “caixa de ressonância” dos temores e das incertezas com as perspectivas do Brasil, num contexto de completa indefinição sobre o desfecho do processo eleitoral e as escolhas que serão feitas pelo próximo governo.

Outra forma de ilustrar este descolamento do real em relação às demais moedas é por meio da evolução da nossa taxa de câmbio (BRL/USD) e do dollar index, calculado pelo Federal Reserve. Esse indicador contribui com a identificação dos fatores externos e internos nos movimentos do câmbio. Ao longo do 1.º semestre de 2018, enquanto o dollar index apresentou variação de 4,2%, a taxa de câmbio BRL/USD subiu 17,0%. O CDS de cinco anos do Brasil passou a operar acima de 250 pontos, após ter encerrado 2017 ao redor de 160 pontos. Em contrapartida, a média dos prêmios de risco dos países latino-americanos que seguem boas práticas econômicas e que sustentam o grau de investimento – casos de México, Chile, Colômbia e Peru – segue bem inferior à nossa, pouco abaixo de 100 pontos.

Portanto, há um descolamento dos ativos brasileiros em relação aos seus pares. Diferenças de fundamentos geralmente explicam tais divergências de precificação de ativos. Neste caso, o quadro fiscal crítico pesa claramente contra o Brasil. No entanto, não é apenas a situação atual que está influenciando os agentes de mercado, mas principalmente as perspectivas futuras diante de uma insegurança com o cenário pós-eleitoral.

Ou seja, após sermos eliminados da Copa, estamos diante de uma disputa muito mais decisiva: o mata-mata eleitoral. A agenda macroeconômica sinalizada bem como a capacidade de governar do próximo presidente serão decisivas para o desempenho econômico e para a trajetória dos ativos brasileiros, reeditando os cenários binários desenhados à época das eleições de 2014. No entanto, não devemos restringir as mazelas internas apenas à questão político-eleitoral, lembrando que a piora do sentimento da sociedade e da precificação dos ativos domésticos também é reflexo da insegurança gerada por ruídos provenientes do Poder Judiciário, inclusive da Corte Suprema. É evidente a presença de um forte viés ideológico em alguns julgamentos e em decisões monocráticas recentes, casos da decisão do ministro Lewandowski de exigir aprovação de privatizações no Legislativo ou mesmo a controversa tentativa de liberação do ex-presidente Lula há alguns dias. Como instituição, o Judiciário tem sua credibilidade arranhada.

Nesse sentido, as projeções dos agentes econômicos exibiram nos últimos meses uma clara tendência pessimista. De acordo com a pesquisa Focus, a mediana das projeções de crescimento para este ano recuou drasticamente, de 2,7% no início do ano para cerca de 1,5% em julho. O próprio Banco Central, em seu último Relatório de Inflação, reduziu sua projeção para o PIB de 2018 de 2,6% para 1,6%. Para essa derrocada das expectativas foi determinante o aumento das incertezas em relação ao futuro, que inclui o temor de reversão da tentativa de ajuste fiscal. Vale lembrar que, para 2019, há sérios riscos de descumprimento das normas e regras constitucionais fiscais, como a regra de ouro e o teto de gastos.

Na política, estamos a três meses das eleições, evento que concentra as enormes incertezas quanto ao futuro do País. As pesquisas eleitorais seguem indicando chances relevantes de vitória para os dois candidatos que representam correntes populistas, de direita ou de esquerda. Já em relação às candidaturas associadas ao centro e à centro-direita as perspectiva de vitória se tornam cada vez menores. Há claros riscos à continuidade da agenda de reformas, com destaque para a necessária mudança das regras previdenciárias. Não menos relevante será o compromisso de preservação das conquistas alcançadas pelo atual governo, como o limite de gastos fiscais e a reforma trabalhista. Sem a consolidação desses avanços, serão baixas as chances de retomada dos investimentos e do crescimento sustentável.

Novos avanços seguem fundamentais para permitir a viabilidade fiscal do País nos próximos anos, lembrando a citação de Roberto Campos: “Nossa Constituição é uma mistura de dicionário de utopias e regulamentação minuciosa do efêmero”.

Mesmo com gradualismo, se o próximo governo não pavimentar o caminho para a renovação da Carta Magna, estaremos solidificando mais uma marcha à ré da História rumo a um passado de tristes lembranças. Sempre com a colaboração de parte do empresariado nacional, que, em vez de pressionar os políticos visando à realização de reformas e transformações estruturais, prefere utilizar seu poder de influência na obtenção de benesses e favores do Estado, como subsídios, desonerações, reservas de mercado e manipulação de preços da economia como taxas de câmbio e taxas de juros. Com os custos naturalmente empurrados para o restante da sociedade. Num cenário adverso, ao menos o câmbio não precisará mais ser manipulado, dada a natural tendência de desvalorização decorrente da deterioração dos fundamentos.

*SÓCIO-DIRETOR DA TENDÊNCIAS CONSULTORIA INTEGRADA