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A tragédia de Toulouse

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Por Redação
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Só o diabo deve conhecer em detalhes a história de Mohamed Merah, o francês de 23 anos descendente de argelinos que, em três incursões no período de oito dias, matou a queima-roupa três soldados, um rabino, seus dois filhos e outra menina da mesma escola judaica em Toulouse, no sudoeste da França - e filmou os seus atos monstruosos para exibir na internet. Na manhã de quinta-feira, ao cabo da maior operação policial no país em décadas, ele foi abatido quando tentava fugir do seu apartamento, não sem antes receber com uma profusão de disparos os agentes que o mantiveram cercado durante 32 horas na esperança de que se rendesse, como prometera. A sua resistência feroz aturdiu os próprios membros da tropa de elite que invadiram o local. Dois deles ficaram em estado de choque. Trezentos cartuchos ficaram pelo chão. No ar, restaram dúvidas inumeráveis. De um lado, sobre a metamorfose do vaidoso ex-mecânico de automóveis e delinquente ocasional rejeitado pelo Exército em assassino de crianças e militares, a pretexto de vingar as mortes de menores palestinos nos territórios ocupados por Israel e punir a França por enviar tropas ao Afeganistão. De outro lado, sobre os eventuais lapsos dos serviços franceses de inteligência que sabiam que, levado pelo irmão Abdelkader, ele se filiara a uma seita islâmica ultrarradical, a dos salafistas, e estivera duas vezes em território afegão, onde chegou a ser preso e repatriado - e ainda assim não saíram em seu encalço como um dos possíveis responsáveis pelas mortes dos soldados, agindo a tempo, portanto, de impedir o horrível trucidamento na escola Ozar Hatorah.Mesmo quando a polícia foi procurá-lo, o principal suspeito ainda era o seu irmão - em cujo carro descobriram grande quantidade de explosivos. Só mesmo quando Mohamed atirou nos agentes que se aproximavam de sua moradia a ficha caiu. Em seguida, comunicando-se com eles, assumiu e justificou as abominações cometidas, revelou que pretendia cometer outras e alegou, como quem se vangloria, ser membro da Al-Qaeda (o que não se sabe se é verdade, embora uma facção terrorista islâmica viesse a saudá-lo como um dos seus). O fato, no entanto, é que não havia motivo para intensificar a vigilância sobre ele antes da sua primeira morte, no dia 11 passado. A infração mais grave que cometera depois de passar um ano na cadeia por roubo foi dirigir sem carta de habilitação. Pegou um mês. Não usava barba, não pregava a jihad, tinha boas maneiras e falava francês corretamente. Quando foi pela segunda vez ao Afeganistão e Paquistão, viajou com o seu legítimo passaporte. Interrogado ao voltar, em novembro último, disse que tinha ido fazer turismo. Milhares de franceses viajam para aqueles países e não há recursos para monitorar a todos, diz o procurador François Molins, que chefia as investigações sobre as atrocidades de Mohamed. Mesmo que houvesse, a lei francesa é mais restritiva do que a norte-americana, pós 11 de Setembro, em matéria de monitoramento de seus cidadãos, para a salvaguarda do direito à privacidade - antes assim, apesar de tudo. De mais a mais, mesmo o monumental sistema de segurança interna erguido no governo Bush está sujeito a "falhas sistêmicas e humanas", como o presidente Obama teve de admitir.Na véspera do Natal de 2009, um militante nigeriano treinado pela Al-Qaeda, Umar Farouk Abdulmutallab, de 23 anos como Mohamed, embarcou em Amsterdã para Detroit levando consigo um explosivo de plástico que por pouco não conseguiu detonar de todo quando o avião com 290 passageiros chegava ao seu destino. O quase suicida foi subjugado, preso e, agora em fevereiro, condenado à prisão perpétua. Um mês antes da viagem, a estação da CIA em Nairobi soubera pelo próprio pai do jovem que ele se tornara um extremista e vivia no Iêmen. Nem por isso o seu visto de entrada foi revogado. Umar comprou a passagem em dinheiro e não despachou bagagem. Ninguém estranhou, muito menos ligou os pontos. Quando se trata de "terroristas caseiros", como se diz ser o caso de Mohamed, a prevenção é ainda mais difícil.