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A última de Haddad

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Por Redação
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A longa lista de projetos do prefeito Fernando Haddad que sofreram restrições do Tribunal de Contas do Município (TCM) – e por isso foram suspensos para a correção de falhas importantes – recomendava que ele redobrasse os cuidados na elaboração da licitação para a escolha dos novos concessionários do serviço de ônibus da capital. Afinal, trata-se de um negócio bilionário que vai afetar a vida de boa parte dos paulistanos e cujo projeto seu governo teve tempo suficiente de elaborar com a devida atenção.

Decisão tomada pelo TCM na última quarta-feira suspendeu por 10 dias a abertura dos envelopes com as propostas dos concorrentes, para que uma centena de recomendações e questões obscuras sejam acatadas e esclarecidas, como mostra reportagem do Estado. Segundo o relator do processo, Edson Simões, vice-presidente do tribunal, é preciso, por exemplo, apontar as razões pelas quais o valor inicial da concessão, de R$ 120 bilhões, passou para R$ 166 bilhões. Salta aos olhos que um aumento considerável como esse tem mesmo de ser muito bem explicado.

O documento do tribunal, encaminhado ao secretário municipal de Transporte, Jilmar Tatto, pede também mais informações sobre o Centro de Controle Operacional (CCO), que a Prefeitura considera um dos elementos essenciais de seu projeto, porque permitirá acompanhar em tempo real os deslocamentos dos ônibus. Para o TCM “faltam elementos esclarecedores da implantação do CCO, como projeto básico de sua estrutura física e detalhamento da utilização de mão de obra técnica no desenvolvimento dos softwares e treinamento de sua utilização, entre outros”.

Simões ainda questiona o prazo da concessão – de 20 anos, renovável por igual período –, que dá às empresas vencedoras poder sobre o transporte municipal por um período muito longo. De acordo com os técnicos do TCM, nos próximos 40 anos a capital certamente terá uma oferta bem maior que a atual de transporte sobre trilhos, com novas linhas do Metrô e da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM), o que deve trazer importantes mudanças para todo o sistema de transporte coletivo de São Paulo e, portanto, com inevitáveis reflexos no serviço de ônibus.

Esse é um ponto contestado igualmente por especialistas em transporte, desde que os termos da licitação foram divulgados, com argumentos muito semelhantes aos do TCM. Alegam eles que as transformações pelas quais passará São Paulo, uma cidade conhecida por seu dinamismo, assim como as novas tecnologias que as acompanham, não aconselham que o serviço de ônibus fique preso às regras propostas durante tanto tempo. Essa é uma falha que nem eles nem os técnicos do TCM acreditam que as reavaliações previstas nos contratos poderão corrigir, ao contrário do que afirma a Prefeitura.

A reação do prefeito Haddad é desconcertante: “Assim que anunciei o edital (da licitação), disse que isso poderia acontecer. Era previsível. Acho natural que aconteça, porque é um contrato muito grande”. Se tudo isso era previsível, natural, é porque ele sabia que o projeto podia conter erros, falhas e pontos obscuros. E não sobre questões menores, mas sobre pontos da maior importância, que dizem respeito ao cerne do projeto.

Por que então não mandou corrigir tudo isso? Já se antecipando às críticas, Haddad diz que a ação do TCM é desejável, porque pode melhorar o projeto. “Nós podemos contar com auditores experientes do TCM, que vão se debruçar sobre o edital e apontar aperfeiçoamentos possíveis”, afirma. Em outras palavras, a posição da Prefeitura parece ser a de que não precisa tomar tanto cuidado assim com seus projetos – embora no caso dos ônibus tenha tido quase três anos para elaborá-lo –, pois o TCM, com seus competentes técnicos, certamente vai corrigi-los. Não admira que não pare de crescer a lista dos projetos contestados pelo tribunal.

Haddad não para mesmo de surpreender. Por más razões.