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A Venezuela sob censura

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Por Redação
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O caudilho Hugo Chávez acaba de dar um passo decisivo para o estabelecimento de um Estado totalitário na Venezuela. O cerco sistemático à liberdade de imprensa no país ? com a cassação de emissoras, a obrigatoriedade da transmissão de seus discursos, o uso da publicidade oficial para domesticar a mídia e a truculência contra o único canal de TV oposicionista, a Globovisión ? será drasticamente reforçado pelo poder que o governo se autoconcedeu de controlar a informação na sua origem. Pior do que isso, só o monopólio estatal da comunicação de massa que vigora em Cuba.O garrote chavista tomou a forma do decreto, baixado na semana passada, que cria o Centro de Estudo Situacional da Nação (Cesna). O organismo poderá declarar "de caráter reservado, classificado ou de divulgação limitada qualquer informação, fato ou circunstância" considerados de "interesse nacional". Em outras palavras, periódicos, emissoras, blogs e até usuários de mensagens instantâneas ficam proibidos de divulgar seja lá o que o governo carimbar como sigiloso. Se o fizerem, poderão ser processados por crime contra a segurança nacional ou prática de terrorismo. A pena prevista é de 5 a 10 anos de prisão.O Cesna funcionará ao mesmo tempo como censor e centro de inteligência. Ficará incumbido de "recopilar, processar e analisar todas as informações que provenham das instituições de Estado e da sociedade sobre qualquer aspecto de interesse nacional", para prover o Executivo de "apoio analítico-informativo". Nada, em princípio, lhe será estranho. Agências desse tipo, com amplos e discricionários poderes, são características dos regimes totalitários de qualquer coloração. É praticamente certo que as digitais do castrismo estejam no seu estatuto. "Consultores" cubanos povoam a administração civil, as Forças Armadas e as estatais venezuelanas.Certa vez, Chávez comentou com Fidel que só ficou sabendo das estatísticas mais recentes do setor de saúde venezuelano por intermédio de seus anfitriões em Havana. Inspirado por seus mentores, o caudilho quer que doravante os venezuelanos saibam apenas o que ele quer que saibam. E se algo não falta na Venezuela é o que esconder da sociedade. Tomem-se, por exemplo, os dados sobre a criminalidade no país, onde em 2008 foram assassinados 107 de cada 100 mil habitantes, recorde na região; o apodrecimento, nos portos e aeroportos venezuelanos, de alimentos trazidos do exterior; mesmo a cotação do dólar no mercado negro fixada, paradoxalmente, pelo governo.O público também será privado de informações sobre a corrupção em estatais como a PDVSA (petróleo) e a Pdval (alimentos), ou sobre desastres ecológicos no Lago de Maracaibo, aponta o ex-presidente do Colegio Nacional de Periodistas, Manuel Isidro Molina. Ele qualifica o Cesna de "barbaridade antidemocrática" e outro abuso de poder de Chávez, que "a cada dia mostra sua vocação militarista de controle e a visão de "aniquilamento do inimigo" que o perturba". O sindicato nacional dos trabalhadores na imprensa manifestou-se contra "a estratégia abrangente para limitar as liberdades dos cidadãos", de que o Cesna faz parte, a fim de "restringir ainda mais o direito constitucional à informação".Outras vozes repudiaram o decreto que, para todos os efeitos, deixa a Venezuela sob censura. O Fórum para os Direitos Humanos e a Democracia denunciou a "criminalização do dissenso e da crítica", entretecida na mordaça. Por sua vez, o diretor da ONG Espaço Público, Carlos Correa, lembra que essa não é a primeira tentativa chavista de criar um mecanismo totalitário. Em junho de 2008, com efeito, vigorosos protestos liderados por grupos de direitos humanos obrigaram o caudilho a revogar a famigerada Lei de Inteligência e Contrainteligência, que na prática faria de cada venezuelano um espião. Ficou conhecida como "lei sapo" ? na gíria local, sapo é sinônimo de delator.Agora, acusa a diretora da ONG Controle Cidadão, Rocío San Miguel, o Cesna é uma "declaração formal de estado de exceção permanente".