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A verdadeira justiça

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Por Redação
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O Supremo Tribunal Federal (STF) confirmou o trânsito em julgado de sua decisão que anulou a Operação Satiagraha. Trata-se de caso exemplar do aperfeiçoamento da Justiça para privilegiar os direitos e garantias individuais, mesmo sob o intenso clamor da luta contra a corrupção. O vexame da produção de provas ao arrepio das leis, que notabilizou a Satiagraha, deve servir de alerta para que não se percam os esforços da Operação Lava Jato, cuja louvável determinação em punir os culpados pelo maior escândalo da história do País não pode se sobrepor ao império do direito.

A Operação Satiagraha é uma antologia de erros. Conduzida pelo delegado da Polícia Federal (PF) Protógenes Queiroz, a ação, deflagrada em 8 de julho de 2008, resultou na prisão do banqueiro Daniel Dantas, do investidor Naji Nahas e do ex-prefeito de São Paulo Celso Pitta, entre outros. O alvo era um suposto esquema de lavagem de dinheiro, corrupção, evasão de divisas, sonegação fiscal e formação de quadrilha. O caso era investigado desde 2004, a partir de informações oriundas do processo do mensalão.

As provas que basearam a operação e a posterior condenação de Dantas a dez anos de prisão foram inteiramente anuladas em 2011 por decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ). No entendimento daquela Corte, as evidências foram colhidas de forma ilegal, por meio de escutas clandestinas e com a participação irregular de agentes da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) – que trabalham para a Presidência da República, e não para a PF.

Na ocasião, o ministro do STJ Jorge Mussi, ao dar o voto decisivo, resumiu o problema de forma cristalina: “Não é possível que esse arremedo de prova, colhido de forma impalpável, possa levar a uma condenação. Essa volúpia desenfreada pela produção de provas acaba por ferir de morte a Constituição. É preciso que se dê um basta, colocando freios nisso antes que seja tarde. Coitado do país em que seus filhos vierem a ser condenados com provas colhidas na ilegalidade”.

O comportamento dos responsáveis pela operação, portanto, facilitou bastante o trabalho dos advogados de Dantas. É improvável que algum dia o País venha a saber se as acusações contra o banqueiro e os demais réus tinham fundamento ou não, pois prevaleceu, especialmente por parte do delegado Protógenes, a busca dos holofotes. Ficou claro que não se tratava de justiça, mas de uma cruzada, na qual os fins justificavam os meios.

A Protógenes não bastava cumprir sua tarefa: era preciso que tudo fosse mostrado para o Brasil inteiro, em horário nobre, razão pela qual ele avisou a uma emissora de TV sobre o início da operação para que as prisões fossem registradas – e virassem um espetáculo. Também o juiz Fausto De Sanctis, responsável pelos pedidos de prisão, deu enorme contribuição à desmoralização da Satiagraha. De acordo com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o magistrado abusou de sua autoridade quando autorizou a quebra de sigilos sem fundamentação técnica – e ainda protagonizou lamentável entrevero com o ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes.

Protógenes acabou condenado na Justiça por violação de sigilo funcional, perdendo o cargo de delegado da PF. A condenação foi confirmada pelo STF, para onde seu caso foi encaminhado porque ele se elegera deputado federal. Após os devidos recursos, o Supremo anunciou então que o seu caso estava definitivamente encerrado.

Em sua página no Facebook, o ex-delegado lamentou que tenha havido uma “inversão de valores”, pois “o mal saiu vitorioso e as instituições contribuíram com a maldade”. Espalhafato retórico à parte, a responsabilidade por esse desfecho decerto não é do “sistema” que Protógenes denuncia, e sim do ativismo de delegados e magistrados que, motivados pela “clareza moral” típica dos espíritos autoritários, acham que vale tudo para fazer prevalecer sua visão heroica de “justiça”. A verdadeira justiça é, sempre, serena, discreta e eficiente.