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A vez de Kim Jong-un

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Por Redação
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O mais novo general de quatro estrelas da Coreia do Norte, Kim Jong-un, tem 27 anos e nunca vestiu um uniforme militar. Isso não tem a menor importância quando se é filho de um ditador tão atrabiliário quanto é Kim Jong-il, o segundo da dinastia comunista fundada em 1948 pelo endeusado Kim Il-sung. A promoção do jovem Kim não é, porém, um capricho despótico do pai, que também o nomeou para o comitê central do Partido dos Trabalhadores, nome oficial do partido do governo, o único do país, e para a vice-presidência da influente Comissão Militar Central. As decisões configuram o primeiro ato da liturgia da troca de comando nesse peculiar regime totalitário em que o poder se sustenta no pacto entre o líder, equivalente a um imperador, a cúpula do Exército, de 1,2 milhão de soldados, e o mandarinato do partido comunista. O ritual foi cumprido no momento apropriado - a abertura do primeiro congresso da agremiação em 30 anos, na terça-feira. Da vez anterior, o evento serviu para Kim Il-sung anunciar Jong-il como seu herdeiro político. Jong, que teve um derrame em 2008 e perdeu o aspecto rubicundo, além do topete à Elvis Presley de outros tempos, seguiu o figurino paterno.Só agora o nome de seu filho caçula, Jong-un, de quem se sabe apenas que estudou na Suíça, apareceu na imprensa oficial norte-coreana - na primeira do que promete ser uma sequência de menções, à medida que ele ocupar outros espaços no caminho para a coroação. Como integrante do comitê central do partido, deverá ser indicado para o seu birô político e, em seguida, para o comitê permanente do organismo. O penúltimo degrau é a nomeação para a Comissão de Defesa Nacional, o mais importante organismo político do militarizado regime de Pyongyang. Não está claro, em todo caso, se ele tomará imediatamente o poder em caso de morte súbita do pai - ou se haverá um interregno até que seja considerado apto para substituí-lo. Desde já, uma voz decisiva no processo parece ser a da tia e tutora do herdeiro presuntivo. Aos 64 anos, Kim Kyong-hui é tida por observadores estrangeiros como a pessoa mais chegada a Jong-il, talvez a única em que ele confia plenamente. Os dois costumam aparecer juntos em público. Ela é mais do que uma eminência parda. Educada em Moscou, dirige o departamento governamental responsável pela indústria leve do país. O seu marido, Jang Song-taek (com quem teve uma filha que se suicidou em Paris, em 2006), é nada menos do que vice-presidente da comissão de defesa para a qual Jong-un ainda espera a designação. Nesse reinado, que seria simplesmente grotesco não fosse a tragédia dos seus esfaimados súditos, o poderio bélico e a filiação ao clube atômico, Madame Kim também acabou de ser aquinhoada com o generalato. Dela ao menos se pode dizer que é veterana de muitas batalhas nos bastidores dos redutos do clã dominante.Para o mundo exterior, as eventuais escaramuças no interior do regime, a saída de cena, talvez a curto prazo, de Kim Jong-il e a ascensão de seu filho são perscrutadas a partir de um único ângulo. Trata-se de saber se o militarismo continuará a ser a ideologia dominante no país, com os riscos implícitos para a já precária estabilidade na Península Coreana. Os indícios são desanimadores. Na véspera do congresso do Partido dos Trabalhadores, relata a correspondente do Estado em Pequim, Cláudia Trevisan, o jornal Rodong Sinmun, porta-voz do regime, publicou um texto ominoso.A Coreia do Norte, afirma, continuará a ser conduzida de acordo com dois princípios. Primeiro, o da ascendência do Exército sobre todos os outros setores da sociedade. Segundo, o da autossuficiência em relação ao exterior - ao que tudo indica um breve contra a adoção de reformas econômicas que atenuariam o isolamento internacional do país. Outro mau sinal foi uma declaração do vice-chanceler Pak Kil-yon. Ele prometeu quarta-feira que Pyongyiang aumentará o poder de "dissuasão nuclear", invocando para tanto a presença de porta-aviões americanos navegando "perto de nosso país".