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A virada inflacionista

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Por Redação
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O governo está fazendo um jogo perigoso com a inflação e o grande perdedor, a médio prazo, será o trabalhador. Em vez de combater as causas do problema, as autoridades financeiras resolveram adotar medidas de curto alcance para atenuar temporariamente a alta dos preços e dos índices. Com isso, disfarçam os problemas e mantêm aberto o caminho para novos cortes de juros e para a gastança. Ao mesmo tempo, o senador petista Lindbergh Farias, orientado por economistas ligados ao Executivo, defende no Congresso um projeto para incluir entre as funções do Banco Central (BC) estímulos à geração de empregos e ao crescimento econômico. Ninguém deve iludir-se. O objetivo não é tornar o BC brasileiro parecido com o Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos), mas sujeitá-lo aos interesses políticos do governo. A diretoria do BC, em outros tempos ciosa de sua autonomia operacional, assiste sem reação a essas manobras e até aceita a perda de status da instituição. Pior para o brasileiro comum, porque o seu rendimento jamais acompanhará uma inflação acelerada. A disposição de recorrer a pequenos truques foi duas vezes confirmada em poucos dias. O corte da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) permitiu atenuar os efeitos dos aumentos de preços da gasolina e do diesel pretendidos pela Petrobrás. A decisão seguinte foi adiar para maio a elevação do IPI incidente no preço dos cigarros. Nenhuma das duas medidas atinge as causas da inflação. As duas são tão eficientes quanto um antitérmico ministrado a um paciente com infecção. A febre é contida por algum tempo, mas a doença permanece. No caso brasileiro, o problema é o evidente descompasso, confirmado a cada novo indicador econômico, entre a demanda interna e a capacidade de resposta da indústria, prejudicada pela perda de competitividade. Quanto à demanda, é em grande parte alimentada pelo gasto público excessivo e ineficiente, mas essa disfunção o governo não pretende eliminar. Administrar bem é trabalhoso e a gastança é politicamente muito rentável. Haverá eleições municipais no próximo ano. Além disso, a grande disputa de 2014 nunca deixou de estar no topo da agenda petista. O projeto assinado pelo senador Lindbergh Farias, aprovado na terça-feira pela Comissão de Assuntos Econômicos do Senado, pode parecer, à primeira vista, mera manifestação de ingenuidade e ignorância. Mas é algo mais grave. O Fed, mencionado como exemplo na justificativa, tem realmente a atribuição de buscar as condições monetárias mais favoráveis ao pleno emprego e à estabilidade de preços. Mas essa estabilidade é interpretada com muito rigor: é preciso manter a inflação muito baixa, em torno de 2% ao ano, e cuidar principalmente de garantir condições favoráveis à expansão econômica de longo prazo. A ideia de leniência com a inflação para permitir um pouco mais de crescimento está fora do repertório do Fed e de qualquer banco central considerado sério. Além disso, o Fed é autônomo. Seus diretores, indicados pelo presidente da República e sujeitos à aprovação do Senado, têm mandato de 14 anos e não são forçados a seguir ordens de políticos. O BC brasileiro desfrutou de autonomia de fato durante vários anos, até o fim do segundo mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Isso resultou em razoável controle da inflação. Em várias ocasiões, no período petista e também antes, esse BC deu prioridade ao crescimento da economia, quando uns pontos a menos de inflação podiam resultar num custo excessivo em termos de atividade e de emprego. Desse ponto de vista, não há inovação real no projeto do senador Lindbergh Farias. Mas o projeto, se aprovado, com certeza abrirá espaço para mais interferências políticas. Quanto à missão de estimular o desenvolvimento, é pura bobagem. A autoridade monetária só realizará essa tarefa se preservar a estabilidade de preços e a saúde do sistema financeiro. A tolice recomendada pelo senador já foi testada no Brasil, com resultados desastrosos. Esse projeto é apenas mais um componente de uma grande virada inflacionista na política brasileira, apoiada por uma alegre coalizão de pelegos trabalhistas e patronais.