Imagem ex-librisOpinião do Estadão

A visita cancelada

Exclusivo para assinantes
Por Redação
3 min de leitura

Não estão claras as razões por que o presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, desistiu da visita que faria hoje a Brasília, antes de seguir para Caracas e Quito. Na 25ª hora, em mensagem ao anfitrião Luiz Inácio Lula da Silva, ele se limitou a pedir que aceite recebê-lo depois da eleição presidencial de 12 de junho em seu país, "em data a ser oportunamente definida". Em português claro, ainda que Ahmadinejad se reeleja, a sua vinda ao Brasil subiu ao telhado. Bem pensadas as coisas, essa deveria ser uma boa notícia para o governo brasileiro: com o tempo, compensará o desgaste sofrido nas últimas semanas por um convite que o presidente Lula poderia passar perfeitamente bem sem ter feito e que, ao não ser atendido pelo menos agora, o deixou numa situação canhestra. Membros da delegação iraniana já no Brasil passaram à imprensa a versão de que Ahmadinejad não teria condições de se ausentar de Teerã a poucas semanas de uma eleição que se complicou para ele com o aparecimento de outro candidato que disputará o voto conservador, Mohsen Rezei, e que de imediato desfechou duros ataques à sua desastrosa política econômica. Além disso, ele corre o risco de perder o apoio do principal líder religioso do país, o aiatolá Ali Khamenei, que o debilitou politicamente ao reverter em pouco tempo duas de suas decisões. Para o Planalto, porém, seria reconfortante se o cancelamento da viagem traduzisse a insatisfação da teocracia iraniana com a reprovação do Itamaraty ao mais recente espetáculo de virulência antissemita protagonizado por Ahmadinejad. Como se recorda, ao discursar na conferência da ONU contra o racismo, há cerca de duas semanas, em Genebra, ele tornou a negar o Holocausto e acusou Israel de ser um país inerentemente racista. (Em outubro de 2005, pela primeira vez depois de assumir a presidência do Irã, ele chocou até os críticos mais severos das políticas israelenses em relação aos palestinos, ao dizer que "o regime sionista" deveria ser "apagado do mapa".) No dia seguinte à diatribe, o Itamaraty repudiou em nota o novo surto de ferocidade, convocou o embaixador iraniano em Brasília "para esclarecimentos", enquanto o chefe da delegação brasileira à conferência, o ministro da Igualdade Racial, Edson Santos, condenou "veementemente a posição do Irã" (o texto do Itamaraty não citou pelo nome nem o país nem o seu presidente). O Irã retrucou pela voz do seu embaixador na ONU, que classificou de "lamentável e produto da pressão das potências ocidentais" a reação do Itamaraty. De seu lado, um dos principais negociadores da chancelaria iraniana, Hussein Rezvani, disse que os comentários brasileiros "não são um bom sinal diante da visita" de Ahmadinejad. Por fim, acontecimento raro no País, manifestações de rua foram convocadas em São Paulo e no Rio de Janeiro contra a sua presença. Ao governo restava administrar o que parecia ser um fato consumado, apresentando-o como um desdobramento normal do pragmatismo e da abertura para o mundo da política externa do presidente Lula. "Se o Brasil fosse ter relações apenas com países com quem tem plena afinidade", argumentou o subsecretário geral de assuntos políticos do Itamaraty, Roberto Jaguaribe, "teríamos um grupo muito restrito de parceiros." É verdade, mas quando um desses presumíveis parceiros é um Estado-pária, pelo menos aos olhos do mundo ocidental de que o Brasil é parte inextricável, e quando o interlocutor mais próximo de seu alucinado presidente nesta parte do globo é o venezuelano Hugo Chávez, o papel de ator mundial a que aspira a diplomacia brasileira - em nome do que se explica a aproximação com Teerã - só pode ser exercido mediante um enorme senso de responsabilidade. Caminhar por esse terreno minado, com riscos maiores do que os ganhos pretendidos, impõe escolhas difíceis. Tais escolhas serão tão mais difíceis quando se considera que a posição do Brasil no cenário mundial, embora em ascensão, ainda não lhe permite se conduzir como se as suas credenciais já estivessem plenamente polidas. Isso não parece ter sido levado em conta quando Lula tomou a iniciativa de convidar o governante iraniano. O episódio da sua visita afinal frustrada contém, por isso, uma lição que o Itamaraty faria bem em aprender.