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A visita de Cristina

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Por Redação
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O comércio, principal fonte de controvérsias entre Brasil e Argentina, está fora da pauta combinada para a visita da presidente Cristina Kirchner a sua colega Dilma Rousseff, nesta sexta-feira. O governo brasileiro mostra-se mais interessado em contribuir para eleições tranquilas no país vizinho do que em tentar promover, neste momento, o revigoramento do Mercosul. O encontro servirá para a inauguração da nova embaixada argentina em Brasília. A conversa deverá incluir, como de costume, um balanço da situação regional, agora marcada por duas novidades importantes - a doença do presidente Hugo Chávez e a chegada de Ollanta Humala à presidência do Peru. Além disso, serão discutidos os próximos passos de um projeto conjunto de construção de reatores nucleares de pesquisa. Se não surgir nenhum fato inesperado, a viagem a Brasília será bem avaliada na Argentina e reforçará a imagem da presidente Cristina Kirchner, empenhada em obter a reeleição. Os dois governos estão interessados em aparentar um alto nível de entendimento e de cooperação. A proximidade da campanha eleitoral argentina torna especialmente oportuno esse tipo de cuidado. Mas há uma diferença considerável entre afirmar uma boa relação diplomática entre Brasil e Argentina e descuidar de interesses comerciais legítimos e do próprio futuro do Mercosul, um tema de importância central para os dois países. O governo argentino mantém a política protecionista ampliada desde 2008 e o Brasil continua sendo o principal alvo dessa política, executada tanto de forma aberta quanto por meio de medidas informais, nunca reconhecidas oficialmente. A exigência de licenças de importação - uma prática aberrante entre os sócios de uma união aduaneira - é uma das ações declaradas. A demora superior a 60 dias para emissão de licenças é um abuso porque viola uma norma da OMC, e, por isso, é disfarçada. Igualmente informal é a exigência, imposta a empresas na Argentina, de exportar um valor igual ao importado (a regra de US$ 1 por US$ 1).A regra de exportar um valor igual ao importado foi destinada inicialmente aos importadores de automóveis de luxo, máquinas agrícolas e motocicletas. Agora foi ampliada para o comércio de têxteis, móveis, louças, talheres, produtos eletrônicos e brinquedos. Pode atingir os compradores de artigos chineses, mas atinge também, com certeza, os importadores de produtos fabricados no Brasil. Empresários brasileiros já foram informados da nova exigência por seus clientes argentinos e transmitiram a notícia ao governo. Brasília chegou, neste ano, a ensaiar uma reação séria ao protecionismo argentino. Passou a condicionar a entrada de automóveis fabricados na Argentina à emissão de licença prévia. Foi uma ação de impacto. As autoridades argentinas decidiram negociar e os dois lados concordaram em atenuar suas ações. Seria facilitado o ingresso dos automóveis no Brasil e o governo argentino passaria a emitir as licenças dentro do prazo de 60 dias. Também esse acordo foi de certo modo uma aberração, porque as autoridades argentinas simplesmente concordaram em cumprir uma regra internacional. Não fizeram, portanto, nenhuma concessão, do ponto de vista legal. Nem esse compromisso, segundo declaram empresários brasileiros, vem sendo cumprido rigorosamente.Agora, com a ampliação da regra informal de US$ 1 exportado para cada US$ 1 importado, as barreiras voltam a crescer. Se o governo brasileiro mais uma vez olhar para o outro lado, ou for incapaz de cobrar uma providência imediata, as autoridades argentinas serão mais uma vez encorajadas a continuar violando as normas de comércio e desmoralizando o Mercosul. Esse foi o comportamento normal dos dois lados na gestão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.Talvez a presidente Dilma Rousseff prefira deixar a discussão para os diplomatas e os técnicos, evitando o envolvimento presidencial. Pode-se defender essa ideia. Mas só dará certo se os negociadores brasileiros forem orientados a agir com a firmeza necessária. Contemporizar foi a orientação até agora predominante. Enfim, a condição para o sucesso do encontro de sexta-feira é que as duas presidentes não tratem dos problemas reais das relações bilaterais.